Um dos grandes desafios enfrentados por músicos constantemente é o de propor alguma originalidade. O debate é antigo e exaustivo, mas sempre vale retomá-lo para se colocar criticamente frente a novas expressões – e ao mesmo tempo é fundamental entender que a originalidade 100% bruta é algo praticamente impossível. Entretanto, volta e meia surgem artistas comprometidos com um olhar renovado sobre diferentes manifestações culturais e formas de expressão possíveis. Nesse sentido, Tierra Whack talvez seja um dos nomes recentes que mais se destacam quando a perspectiva envolve a inventividade a serviço de um tempo específico.
Tierra compreendeu que, para que algo seja notado, é preciso produzir algo desafiador e magnético – ou, por que não, colocar o pop em contato com o esquisito. Sua mixtape de estreia, por exemplo, chamou a atenção por conter 15 faixas e 15 minutos de duração – além de um curta-metragem formado por imagens e universos para cada uma das faixas. Whack World (2018) propôs algo excêntrico, mas ao mesmo tempo sedutor o suficiente para que o ouvinte fosse fisgado.
Neste misto de estranheza, sedução e criatividade, Tierra traz ao mundo seu álbum de estreia, um trabalho que consolida a dinâmica de uma mente criativa e que, sobretudo, amplia as direções e os fundamentos de Whack World. Como o título sugere, WORLD WIDE WHACK coloca a dominação mundial de Tierra em um patamar acima. Há uma exploração sonora minuciosa, que busca a particularidade de cada timbre, assumindo uma espécie de investigação ASMR. É uma interpretação do mundo pop pós-Billie Eilish, mas realizada à moda Whack. Aqui, as faixas não se limitam a um minuto, mas também não fogem tanto da marca dos três minutos – como se ela mostrasse que ainda pode dizer tudo o que quer em pouquíssimo tempo, de forma direta e, mesmo assim, profunda. Dizendo isso de outra maneira: ela ainda preserva o espírito experimental de sua criação, porém sem desconsiderar o contexto. É como uma curadoria de sonoridades esquisitas, feita sob medida para a contemporaneidade acelerada.
O espírito criativo e inventivo se mistura à honestidade de suas letras. Na faixa de abertura, “MOOD SWING”, isso aparece em versos como “Eu tenho experimentado coisas novas / Minha mãe está cansada das minhas mudanças de humor”. “MS BEHAVE” une distorções que potencializam uma batida afrobeat, puxando referências de Beyoncé e Missy Elliott; e “NUMB” traz edições de áudio entrecortadas por performances vocais inusitadas – uma sensação de limbo extremamente aconchegante. “IMAGINARY FRIENDS” encarna a visão de Tierra sobre o pop contemporâneo, altamente inspirado por acordes Lo-Fi e o R&B de estrelas como SZA. “MOOVIES” por sua vez, vem caprichada no disco revival e recheada de acordes etéreos – o famoso “dançando na miúda”. “SHOWER SONG” parece simples aos primeiros segundos, mas destaca a autenticidade de Tierra, seja no deboche das rimas ou nas melodias precisamente calculadas em meio ao balanço da batida. O trap também é reinterpretado na sagaz e sinistra “SNAKE EYES”, e, por fim, o R&B confortável de “27 CLUB” encerra essa viagem diversificada.
Retomando o debate do início, Tierra Whack traz à mesa uma perspectiva mais realista da originalidade. Ela não parece preocupada em entregar uma experimentação única e, sim, uma diferente disposição de elementos comuns da música pop. Indo do trap tremulante a um R&B mais alternativo, ela nos apresenta um novo mundo, composto a partir de outros microcosmos e que desafia a estética pop atual. O olhar e ouvido precisos de Tierra continuam envolventes – e WORLD WIDE WHACK é mais uma parcela de sua mente tão criativa.
(WORLD WIDE WHACK em uma faixa: “SNAKE EYES”)
