Resenhas

Titanic – Vidrio

Mabe Fratti e Hector Tosta manuseiam o jazz com habilidade ímpar e exploram suas zonas de contato com o pop, o indie, a ambient e o experimental

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Ano: 2023
Selo: Unheard of Hope
# Faixas: 8
Estilos: Jazz, Experimental, Chamber Pop
Duração: 35'
Produção: I la Católica

Já faz algum tempo que o jazz saiu de um intocável pedestal para influenciar uma série de expressões pop. Da matéria-prima do Lo-Fi a arranjos menos pautados em repetições, o jazz continua a inspirar diferentes categorias de artistas, mostrando-se muito mais uma linguagem plural do que um campo proibitivo e erudito. Fica cada vez mais claro seu aspecto camaleônico, com cada produtor, compositor e intérprete tirando dele um sentido diferente que complemente a proposta de sua obra. Da mesma forma que o vidro, ao ser derretido, molda-se para caber na utilidade prevista, o jazz é moldável ao ambiente no qual se insere. Não à toa, o primeiro disco colaborativo do duo Titanic foi batizado com tal metáfora.

Vidrio é um disco experimental na medida em que une diferentes linguagens sonoras e suas possibilidades de articulação. Formado a partir da união entre o compositor Hector Tosta (I la Católica) e a artista experimental Mabe Fratti, o projeto junta perspectivas distintas e enriquecidas pela trajetória artística de cada um de seus membros. Em um mesmo trabalho, somos expostos ao minimalismo, à música clássica, avant-garde, bem como influências de um indie pop suave e até mesmo uma-sensação-de-trilha-sonora-para-um-filme-inexistente. Mas e o jazz?

O jazz é como a cola que une os diferentes elementos que compõem a sonoridade do duo. Em cada uma das oito faixas, seus ecos agem com diferentes propósitos. Em um momento, ele é percebido nos acordes complexos e criativos e harmonias menos previsíveis. Em outro, ele é um estilo particular de um instrumento em meio a batidas mais indie e pop. Há ocasiões em que ele figura como um flerte com o progressivo, se afastando do rock, mas emprestando suas texturas com contornos da ambient music.

Manuseando o som e a estética de forma habilidosa, os integrantes convidam o ouvinte a experimentar diferentes configurações de sua influência jazzística. Abrindo o registro, a faixa “Anónima” estabelece arranjos de corda dramáticos e conduzidos por uma melodia repetitiva e doce – o primeiro de muitos jogos de antagonismos propostos em Vidrio –, enquanto “Cielo Falso” evoca Vince Guaraldi. As cordas de “En Paralelo”, por sua vez, parecem remete à brasilidade ensolarada e nostálgica de Clube da Esquina e Arthur Verocai. Em tons mais lentos e medidativos, “Palacio” é um ótimo exemplo de como não há necessidade de uma bateria frenética para que uma composição soe jazzística. Por fim, num misto de The Mahavishnu Orchestra e Black Country, New Road, “Balanza” encerra o trabalho como numa sessão de improviso minimamente calculada em seus silêncios.

Há uma impressão geral de que o jazz é o elemento central de Vidrio – e, certamente ele é. Porém, aqui ele não se apresenta de maneira óbvia e estereotipada. Há diferentes espaços sonoros e, para cada um desses, uma particularidade a qual o jazz serve. Este manuseio cuidadoso com um gênero tão plural se confirma na figura metafórica do vidro que dá nome ao disco. Um som de sensibilidade única, porém com um ampla maleabilidade.

(Vidrio em uma faixa: “Cielo Falso”)

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ARTISTA: Titanic

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique