Resenhas

Sinéad O’Connor – I’m Not Bossy, I’m The Boss

Décimo álbum da cantora irlandesa mostra-se inspirado

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Ano: 2014
Selo: Nettwerk
# Faixas: 12
Estilos: Pop, Alternativo, Rock
Duração: 41 min
Nota: 3.0
Produção: John Reynolds

Você já sabe que Sinéad O’Connor é uma cantora polêmica. Mais que isso, a irlandesa (hoje mais ou menos) careca é uma persona Pop, que já passou por poucas e boas em meio à poeira desta estrada triste. Foi megapopstar e frequentou notas de rodapé. Em algum momento entre meados dos anos 1990 e seu último álbum, o simpático How About I Be Me (And You Be You), lançado em 2012, O’Connor parece ter reencontrado uma significativa porção de sua verve instigante. E isso é bom para nós, ouvintes. Por exemplo, ela esteve implicando com Miley Cyrus, questionando sua postura como ícone Pop, principalmente inquirindo ser era legal ou positiva a adoção de um conjunto de maneirismos 100% bitch por parte de Cyrus e onde isso iria levar as jovens meninas, suas fãs ao redor do mundo. A ex-Hannah Montana, é claro, desdenhou, ridicularizou, fez pouco caso. Sinéad é dessas, ela critica e implica e talvez isso seja legal.

O que nos interessa é que esta disposição em mostrar sua posição política (em planos pessoal e público) faz dela uma artista à moda antiga, um quase-dinossauro ideológico. Não adianta mudar, ela será sempre assim e isto é bom desde que haja uma contrapartida artística para compensar a cagação de regras. Há muito este jogo estava desequilibrado, com a balança quase envergando para o lado das declarações. Agora (na verdade, desde 2012), Sinéad parece capaz de equilibrar as ações e faz isso lindamente neste novo álbum. Com o passar do tempo, sua raiva e postura agressivas ficaram adoravelmente datadas e soa muito diferente do Pop Rock sem cara que é praticado hoje em dia.

Temos então I’m Not Bossy, I’m The Boss. É um disco Pop contemporâneo, multifacetado e abrangente. Sabemos que um colaborador de peso, Mr. Brian Eno, está por toda parte com seus teclados e toques ambientes. Sabemos que vai ter algum flerte com o Reggae, uma paixão mais ou menos recente de O’Connor e, acima de tudo, vai ter a voz ondulada da ex-moça. A abertura com How About I Be Me, é o que Dido faria se tivesse alma e sangue nas veias, com flertes discretos com eletrônica mas ainda capaz de preservar a identidade sonora. Dense Water, Deeper Down tem batida reta, vocais harmoniosos, quase Gospel, Kisses Like Mine é enguitarrada e Your Green Jacket é uma bela declaração de amor materializada nas pequenas e discretas coisas do cotidiano. The Vishnu Room é misteriosa e solene, The Voice Of My Doctor é enraivecida mas ambas desaguam no Trip Hop fugaz e inesperado que é Harbour, com pinta de canção noventista de Massive Attack.

Surpreendente é o Funk plástico de James Brown, com participação de Seun (filho mais novo de Fela Kuti no saxofone. Mais Trip Hop, dessa vez com acentos Reggae surge em 8 Good Reasons e o polêmico single, Take Me To The Church, com o verso I don’t wanna sing the way I sang before, mostrando que O’Connor está em paz com a contemporaneidade. Where Have You Been é uma espécie de sobrinha neta de Mandinka, seu primeiro hit, lá de 1987, que prepara o ouvinte para a melancolia de noite chuvosa e fria que é Streetcars. Lenta, esparsa, mas luminosa em sua tristeza.

Sinéad mostra que ainda tem lenha para queimar e periga recuperar muito de seu passado estelar se mantiver esta maré de inspiração. Vamos torcer.

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BOM PARA QUEM OUVE: Tori Amos, U2, Beth Orton

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.