Resenhas

Steve Gunn – Way Out Weather

Novo álbum do guitarrista americano tem canções atemporais e pungentes

Loading

Ano: 2014
Selo: Paradise Of Bachelors
# Faixas: 8
Estilos: Folk, Blues Rock, Alternativo
Duração: 43:25min
Nota: 4.0
Produção: Justin Tripp

O guitarrista americano Steve Gunn esteve ativo pelos últimos sete anos, sempre ocupando uma posição confortável numa segunda divisão de músicos e artistas do eixo Rock/Pop, numa aparente indecisão artística sobre ser um grande guitarrista ou um cantor/compositor. Mesmo que isso pareça depreciativo, o sujeito recebe elogios da mídia especializada sempre que possível, sendo comparado a talentos inegáveis como Van Morrison e Jeff Buckley. Só isso já seria uma credencial de valor para uma olhada (e ouvida) mais atenta ao trabalho do cara. O fato é que ele parece ser uma espécie de anti-John Mayer, investindo tudo na criação de climas e texturas sonoras para sua guitarra planar em paz sobre as pradarias americanas, ao contrário de Mayer, que vive uma mutação Country-Folk atualmente. Gunn é autêntico e talentoso. Vejamos.

Way Out Weather é seu quinto disco e tem a saudável característica de ser imune à ação do tempo. Sim, porque, mesmo em 2014/15, a música contida nele poderia ser de 1969 ou de, sei lá, 1895. É canção de tradição urbana, negro/branca, de gente indo e vindo, de famílias falando de trabalhos injustos, de jornadas por longas distâncias, bem como de gente morando no mesmo lugar por muito tempo, observando a rua mudar, a avenida crescer, novos vizinhos chegando. É tradição oral em forma de música, algo que os melhores artistas fazem sem perceber ou sem a motivação de algum plano tramado. Simplesmente fazem. Isso, meus caros, é atitude que não prescinde de idade, abordagem estética ou qualquer outro mise en scéne dos nossos dias, é real. Meu entusiasmo em descrever o disco passa pela adoção desse formato Folk’n’Blues como fio condutor de histórias em vários pontos de vista e âmbitos. Dá pra notar traços dessa sonoridade em gente como The Faces ou Eric Clapton, mas também nas canções mais folksters de Led Zeppelin, My Morning Jacket e The War On Drugs e o já citado Van Morrison. É coisa fina. É como entrar numa livraria.

Dentre as oito canções do álbum, Drifter, com quatro minutos, é a mais curta. Gunn formulou o roteiro musical sem pressa e parece ter deixado as melodias durarem o tempo necessário, sem pensar em rádio ou qualquer outro meio de comunicação. Sua voz é profunda e jovem, poderia ser nosso amigo da faculdade ou do prédio, mas com uma intuição que vai além. A própria Drifter tem guitarras vindas de todos os lados, acústicas e elétricas, gentis e acolhedoras, com andamento rápido, baixo e bateria unidos e aquela sensação de andar ao ar livre numa manhã de domingo redentora e com calor parecendo quentura de mão de mãe. Wildwood é toda lindona, novamente oscilando entre registros naturais e elétricos dos instrumentos, pontuada por intervenções econômicas de órgão e toda aquela ambiência ampla. Atmosphere, com o perdão do trocadilho, é atmosférica, esparsa e contemplativa, com vozes submetidas a efeitos especiais que mais parecem assombrações vindas de uma floresta em fim de tarde. Violões tocados por seres elementais são ouvidos aqui e ali, flautas também surgem daquele lado, tudo natural e belo. Milly’s Garden é a que tem mais formato linear de canção Pop, mas toda linda, com o equilíbrio necessário para não cruzar a fronteira que separa o Folk do Rock. O final inesperado vem com a percussiva Tommy’s Congo, nada africana apesar do título, mas empoeirada e cosmopolita ao mesmo tempo, certamente a faixa mais urbana e caótica que habita o disco.

Por todos os lados de Way Out Weather, está a impressão de que Steve Gunn está saindo de sua cidade natal no interior de algum rincão da América com vontade de ganhar o mundo. Soa como um atestado de maioridade, de disposição para encarar a vida, as pessoas, se apaixonar, conquistar seu espaço. É música do tamanho da vida e você não pode deixar de ouvir. De jeito nenhum.

Loading

BOM PARA QUEM OUVE: TWEEDY, Ty Segall, The War On Drugs
ARTISTA: Steve Gunn

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.