Resenhas

Darren Hayman – Chants For Socialists

Novo álbum do cantor e compositor inglês traz socialismo e pop perfeito em doses iguais

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Ano: 2015
Selo: Where Its At Is Where You Are
# Faixas: 10
Estilos: Folk, Folk Pop, Rock Alternativo
Duração: 40:42
Nota: 4.0
Produção: Darren Hayman

Não há nada mais antiquado que promover a ideia de bem comum. É um traço marcante do nosso tempo o incentivo à competição e à individualidade como único modo de enfrentarmos o mundo. Essa visão está se sedimentando rapidamente e enfraquecendo aquelas instâncias importantes da vida em que a ajuda e a cooperação do próximo, seja ele o seu vizinho ou o seu colega de escola/trabalho são realmente importantes. E, a partir daí, sozinhos e isolados, somos presas fáceis para várias armadilhas e percalços do cotidiano, que, por sua vez, se torna cada vez mais inclemente porque é erguido por indivíduos competitivos que buscam sobressair de toda forma, uns sobre os outros. Ufa. Que diagnóstico sombrio do mundo, não? Não é privilégio analítico deste que vos escreve, infelizmente. Quem sabe não é hora de olhar nos bolsos da História em busca de algum momento em que essa lógica ainda não prevalecia? Pois bem, essa foi a visão que Darren Hayman teve há cerca de um ano.

Ao visitar a galeria de exposições do ativista, pintor e poeta socialista inglês William Morris, um dos pioneiros do socialismo inglês do século 19, Hayman encontrou um panfleto chamado Chants For Socialists, cheio de poemas, versos e elegantes reflexões assumindo a função de palavras de ordem. Encantado com a maneira de Morris chamar pela Revolução, sempre baseado na ideia de comunidade, Darren começou a matutar como seria se aquelas palavras fossem adaptadas e inseridas num contexto musical. Tomando cuidado para não pensar num feixe de canções somente de protesto, o vocalista e guitarrista usou de sua habilidade como compositor Pop (exercida várias vezes à frente da simpática banda Hefner, na virada do milênio), Hayman chegou num raríssimo espécime musical.

Para manter a noção de comunidade exigida pela obra de Morris, ele retornou à comunidade do artista e recrutou músicos e cantores locais para produzir um álbum com o máximo de semelhança possível em termos conceituais. Não há uma única canção ao longo do álbum que abra mão da tentativa de atingir a perfeição Pop, seja em arranjou ou na grande quantidade de ganchos melódicos que são deixados por Darren ao longo do caminho. Após a abertura convocatória de Awake, London Lads, o álbum começa com a luminosa May Day 1894, propulsionada por um riff simpático de guitarra e pontuada pela voz límpida de Hayman. March Of The Workers é, sem redundância, uma canção com dinâmica de lentidão e cadência, na qual a voz de Hayman vai recebendo a ajuda de um coral feminino na condução da letra, proporcionando um efeito de ritmo bem interessante. The Day Is Coming é uma beleza que fala sobre a possibilidade de trabalhar e obter prazer – uma visão que era raríssima e revolucionária no século 19, quando ainda não havia qualquer mecanismo de seguridade social ou opção de emprego para quem não pertencesse a uma elite política e econômica. Novamente os vocais femininos surgem ao longe e vão chegando, em meio a uma melodia conduzida por banjo e violão, mesclando sutileza, melancolia e esperança.

Down Among The Dead é solene e sofrida ao lembrar das perdas dos camaradas ao longo do caminho, mas, de alguma forma, a esperança não se perde nas vozes e na melodia. The Dead Song tem a melodia mais bela do álbum, chegando a lembrar algo que não seria surpreendente de viesse da pena de mestres como Paul McCartney. O tom é sereno e contemplativo, mas nunca resignado, com uma palpável noção de determinação trazida pela melodia e pelo arranjo, cheio de teclados escondidos. All For The Cause já se vale mais do formato voz/violão e o registro límpido de Darren favorece a canção e a livra de qualquer carga pejorativa, enfatizando novamente a noção de “juntos somos fortes”. The Voice Of Toil talvez seja a única música no álbum que aceite certa carga entristecida em sua condução, apesar da participação do coral feminino e do potencial ensolarado do arranjo.

Guitarras sutis abrem a arrepiante The Message Of The March Wind, com clima épico e cadência de canção calma dos tempos de Britpop tardio, o momento de glória da antiga banda de Darren. O fim chega luminoso com a espontaneidade voz/violão de No Master High Or Low, convidando o ouvinte implicitamente para uma cantoria à beira da fogueira, após uma bem sucedida marcha sobre algum lugar, na qual se cantou, sorriu e falou das crenças e identidades coletivas. O que Chants For Socialists causa no ouvinte é uma sensação de desconcerto temporal, alternando temas sérios e tristemente esquecidos, embalando-os em referências instrumentais sempre vivas e coloridas. É um disco raro, com personalidade, conceito e vida própria, uma belezura crocante por fora e cremosa por dentro, que você deve ouvir pra já.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.