Resenhas

Turtle Giant – Many Mansions I

Novo disco do trio paulistano investe em climas e texturas

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Ano: 2015
Selo: Independente
# Faixas: 12
Estilos: Rock Alternativo, Shoegaze, Psicodelia
Duração: 50:23
Nota: 4.0
Produção: Turtle Giant

Conforme anunciado por aqui há alguns meses, eis que surge o novo álbum do trio paulistano Turtle Giant, Many Mansions I. Pra quem ainda não conhece a banda, ela é formada pelos irmãos Beto e Frederico Ritchie e António Conceição, diretamente de Macau, ex-protetorado português e atual região administrativa especial da China. Os sujeitos chegam com um ramalhete de boas canções com DNA noventista, no sentido Shoegazer/Guitar Rock do termo, mas com aquele toque pessoal, mercadoria tão rara no mercado de novas e novíssimas formações em atividade. E esqueça essa coisa de cantar em português, o grupo não se vê com nenhuma obrigação de cantar na língua de Camões e essa decisão é acertada, tendo em vista a sonoridade que se dispõem a fazer. Foi-se o tempo dessa exigibilidade xiita.

O que Many Mansions I tem como bom trunfo é a habilidade de suas canções soarem bastante Pop, com arranjos bem feitos, trazendo aquela impressão de que está tudo em seu devido lugar e isso significa conforto para o ouvinte e satisfação garantida na hora de povoar as playlists do povo em sua ida e vinda em trens, metrôs e coletivos, naquele movimento pendular da sociedade contemporânea. Certamente este périplo diário terá seus efeitos depressivos e existenciais amenizados pelas belas melodias oferecidas aqui, dentre as quais há o destaque absoluto para a terceira faixa, Orange Grape, que tem pinta de campeã entrando no gramado. Corais celestiais anunciam a melodia, enquanto baixo, bateria e guitarra competem com a voz para ver quem está em primeiro plano, numa democrática noção de importância. A melodia te leva para aquela zona de memórias do que houve e do que ainda haverá, sempre – para mim, pelo menos – com cara de entardecer cinzento numa praia, provavelmente a de Copacabana, onde me criei e vivi até bem pouco tempo. Claro que você pode – e deve – escolher a sua locação.

As outras canções, apesar de muito boas, estão um degrau abaixo, mas ainda são capazes de oferecer cremosidade suficiente para o deleite auricular do mais exigente ouvinte. A abertura com Golden Summer já anuncia o que está por vir, com doces melodias e progressões abrindo passagem. Constelations tem adorável cara de canção Britpop mais obscura, com um toque de Glam Rock de T.Rex, algo que bandas como Cast ou Bluetones fariam se estivessem em atividade. Boroughs é lenta, melancólica e conduzida ao violão com efeitos aqui e ali. Desolação e aridez são as paisagens que logo surgem, abrindo passagem para os violões Folk que introduzem Business Suit Morning Struggle, com acento hortifrutigranjeiro e urbano ao mesmo tempo, cheia de coros bonitinhos pelos cantos. Mais violões propulsionam a boa Nightime e antecipam a volta das guitarras, dedilhando suavemente a introdução de Caetano V, outra beleza de canção, toda instrumental, esparsa, contemplativa e fluente no idioma de fazer chorar no cantinho, propondo flerte discretíssimo com alguma influência beatlemaniaca.

Luck vem em seguida, lentinha e convidativa, mas escondendo tristeza urbana de 2015/16, do cara que está na janela vendo a chuva molhando a vidraça e as pessoas lá embaixo, tentando adivinhar onde está quem lhe faz tanta falta nesses dias. Georgie retoma guitarras e arranjos totalmente psicodélicos, melodias ensolaradas, talvez uma homenagem à fase mais transcendental de George Harrison? Difícil não ser. Lead On é noturna e ainda mais psicodélica, no sentido oitentista/noventista do termo, com teclados, bateria e ruídos que vão chegando aos poucos na sua porta, querendo entrar. Aos poucos tudo já é melodia e você já se depara com os sons na sua sala, te olhando. Os vocais são dilacerados, próximos do caos. Preparando o clima para o encerramento do álbum, chega a gigantesca e instrumental The Nathaniel 3401, do alto de seus quase dez minutos de duração, exibindo brejeirice e oscilação de climas e dinâmicas, sempre entre a Psicodelia e o Progressivo contemporâneo, daquele tipo de canção que pertence ao estilo mas você não imagina por pensar que ele é só privilégio de gente como Yes, Genesis ou Marillion. O fecho chega com Santa Ana, também primordialmente violão/guitarra e voz, com lamento e dor em doses acima do padrão do disco, dando encerramento digno ao todo.

Turtle Giant fez um belo trabalho em Many Mansions I. Daqueles álbuns que ouvimos e não conseguimos encontrar nada desabonador, pelo contrário. Talvez o único problema – que nem chega a constituir dificuldade em apreciar o trabalho – seja a necessidade de uma produção que valorize ainda mais as canções lentas e contemplativas. A opção por uma sonoridade mais quieta em comparação com trabalhos anteriores, também se mostrou acertada. Ouçam.

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BOM PARA QUEM OUVE: Astromato, Ride, Interpol
ARTISTA: Turtle Giant

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.