Resenhas

Vampire Weekend – Only God Was Above Us

A banda nova-iorquina atinge seu ápice criativo ao refletir sobre como aprender a se sentir confortável sem pertencer a nenhum lugar

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Ano: 2024
Selo: Columbia
# Faixas: 10
Estilos: Rock, Indie Pop
Duração: 47'
Produção: Ezra Koenig

“É difícil discutir Vampire Weekend sem “discutir Vampire Weekend”, disse o jornalista Matthew Strauss em sua crítica de Only God Was Above Us, quinto álbum da banda americana. Li essa frase bem ao final da pesquisa para esta resenha e ela resume muito do que pensei desde o lançamento do disco.

Tenho visto crescer nas redes um formato de vídeo com comentários sobre música que pegam clássicos e dissecam progressões de acordes, professores de canto que teorizam sobre o uso da voz de algum artista, letras que são recortadas para apontar o poder da métrica, entre outras tecnicalidades. Me fascino com esses vídeos tanto quanto qualquer pessoa, mas me incomodo quando vejo comentários entendendo aquilo como a única e verdadeira crítica musical. Há muito mais na análise de um disco ou de um artista do que uma observação pura da soma das frequências que saem dos alto-falantes para os nossos ouvidos. Quando olhamos para bandas cuja trajetória se desenvolve em sincronia com a nossa juventude e começo de vida adulta, fica ainda mais difícil isolar a qualidade do som do significado cultural de gostar desses artistas nesse momento de passagem.

Vampire Weekend é uma banda que vive em um eterno desconforto de significar muita coisa e nada para muita gente ao mesmo tempo. Ela fez parte do boom do indie pop do final dos anos 2000 e para alguns ela continua lá, junto ao estilo preppy — nosso famoso mauricinho —, que acabou virando uma piada abraçada pela banda já que os integrantes se conheceram em uma universidade de elite e seu estilo contrastar com a sujeira pela qual o indie rock de Nova York era conhecido na época. Ao mesmo tempo, a partir de Contra (2010), o respeito da crítica começou a ficar consistente, algo que se intensificou em Modern Vampires of the City (2013), que dividiu o topo de várias listas de melhores discos daquele ano com Yeezus, de Kanye West.

Desde então, ganharam Grammy, lotaram o Madison Square Garden, passaram a fazer parte de uma grande gravadora e, apesar de contarem com uma das discografias mais consistentes da música recente, não acho que seriam lembrados por muita gente que fosse citar as grandes bandas deste século até o momento. Ezra Koenig, líder do grupo, é casado com a atriz e diretora Rashida Jones — e, portanto, genro de Quincy Jones, vale lembrar —, apareceu em fotos ao lado de Harry Styles em um jogo do Manchester United, é host de um dos mais populares programas do Apple Music, criou e lançou sua própria animação para a Netflix (Neo Yokio, de 2017), é creditado como um dos compositores da faixa “Hold Up”, de Beyoncé, e, mesmo assim, sua banda segue sendo considerada indie por muitos, fazendo com que ele possa andar tranquilamente em qualquer metrópole do mundo sem ser incomodado com muita frequência. É nesse contexto de não estar nem lá, nem cá, que o Vampire Weekeend foi aprendendo a lidar com o desconforto – e em Only God Was Above Us parece ter conseguido se encontrar.

“Capricorn”, primeiro single lançado neste retorno, usa como metáfora o signo de quem nasce em dezembro e vive na ironia de para sempre citar o ano de seu nascimento mesmo tendo vivido poucos dias dele. A faixa levanta questões sobre nossa falta de controle a respeito de como deslizamos sobre o tempo. Às vezes acordamos bem física e mentalmente em um domingo sem grandes eventos e nos encontramos fracos e cansados em dias importantes. E não há nada que possamos fazer para reorganizar o mundo à nossa volta. Algo meio Tony Soprano tendo todo o poder em uma época de máfia decadente. Existe aí uma honestidade meio boba de se sentirem “injustiçados” de alguma forma, mas acaba que gera uma identificação.

Em “Classical”, faixa anterior e uma das minhas favoritas, o tema mais óbvio e grandioso é a discussão do filósofo Walter Benjamin sobre os vencedores sempre escreverem a história. Discussão útil e importante nos dias de hoje, mas indiretamente com a mesma preocupação de “Capricorn”, sobre quem serão os vencedores que contarão a história de qual música foi importante neste início de século. Não apenas numa tentativa egocêntrica de refletir sobre uma possível relevância futura da própria banda, mas de pensar sobre outros artistas e gêneros que Ezra, famoso por gostar de misturar estilos inusitados, acredita que mereciam mais espaço, porém não fazem parte da narrativa dos vencedores do momento.

Essa autoconsciência fica ainda mais evidente quando percebemos Only God Was Above Us como uma espécie de candidatura do Vampire Weekend a um lugar no Hall da Fama da cultura nova-iorquina. O sonho é estar ao lado de nomes como Beastie Boys, Wu-Tang Clan, Basquiat, a máfia italiana e o Hot Dog de rua. Elementos clássicos da cidade sempre fizeram parte da história da banda, com seu auge no clipe de “Sunflower”, do último disco, gravado em uma típica Deli com participação de Jerry Seinfeld. Agora, a relação com a cidade apenas se intensifica. Desde a capa do disco, uma foto do artista Steven Siegel em um cemitério de vagões de metrô em New Jersey, passando pela citação um pouco aleatória de Mary Boone, galerista importante para a arte local nos anos 1980 e que futuramente foi presa por fraudes tributárias, até o título de “Prepschool Gangsters” referenciando uma icônica capa da New York Magazine dos anos 1990 sobre garotos de elite que decidiam viver traficando drogas e cometendo pequenos delitos. Ironicamente, o disco foi o primeiro escrito em diversas partes do mundo já que Ezra passou os últimos anos acompanhando o trabalho de sua esposa que se dividiu entre Tóquio, Londres e Los Angeles (onde, curiosamente, a banda toda mora hoje). Fato que, apesar de engraçado, ajuda a explicar o olhar estrangeiro e nostálgico pelos momentos áureos de uma cidade tão lendária.

Alguns discos precisam vir acompanhados de um manual para que alguém que não acompanhe a banda possa apreciar. Não é o caso aqui, com faixas que conseguem ser ambiciosas e nada óbvias, mas muito fáceis de gostar. O segredo está na estrutura bem conservadora de canção pop que funciona como um dogma de composição para Ezra — em entrevistas, ele não cansa de falar das músicas citando “a parte A” ou “a parte B” como se existisse em sua cabeça um órgão regulador sobre como se constrói uma canção. A partir dessa base acessível, a tarefa da banda, mas principalmente do badalado produtor Ariel Rechtshaid (em sua terceira colaboração com ela), é ter liberdade para sujar com texturas granuladas, chiados, distorções e deixar mais esquisita essa estrutura careta. Ariel já contou algumas vezes não gostar da forma como se compõe música hoje, gravando apenas uma sequência e usando um software para criar um loop em segundos. Ele faz questão de que tudo soe natural, pedindo para o artista tocar a sequência como se estivesse ao vivo, muitas vezes sem guia, em busca das imperfeições que geram a beleza daquele som.

Acho engraçado como quase todas as 10 músicas contêm um elemento especial como trechos marcantes de piano, um solo de saxofone, a entrada de um coral, momentos a cappella ou até mesmo o sample de “Back to Life”, do Soul II Soul, em “Mary Boone”. Costumo brincar que muitos desses elementos são como usar leite condensado para fazer uma sobremesa. Vai sempre deixar tudo gostoso, mas é roubar no jogo e não me diz nada sobre a habilidade do cozinheiro (correndo ainda o risco de ficar enjoativo). No entanto, aqui, tudo funciona sem ficar apelativo justamente por Ariel conseguir trabalhar estes elementos a ponto de ficarem interessantes.

Ezra Koenig comentou em uma entrevista que pessoas específicas têm formas diferentes de conexão com a música. Para algumas, são as apresentações ao vivo, para outras, o álbum ou músicas específicas que usam para montar playlists. No caso dele, o objeto de seu fascínio sempre foram as discografias. Só diz que conhece um artista quando entende sua trajetória completa e entende a história que quis contar ali. Não à toa, brinca que, antes de começar a compor para este disco, desenhou quatro quadrantes para encaixar a discografia da banda. Um eixo ia de “mauricinho” a “hippie” e o outro de “solar” a “gótico”. Father of The Bride (2019) estava entre “solar” e “hippie” e a área menos povoada do gráfico era a que misturava “hippie” e “gótico” e, portanto, esse foi o mood escolhido para o novo lançamento.

Este quinto álbum é maduro e não tenta propor caminhos só para cumprir a cartilha de um mundo que exige o novo a todo momento. É o produto de uma banda que se leva a sério, se analisa demais, mas tem clareza criativa para entender o lugar em que está inserida. É difícil juntar a mistura entre a descontração e a ambição, entre o pop e o ousado, mas Ezra, Ariel e banda parecem ter encontrado a fórmula. Tudo isso vai adicionando elementos novos à mitologia do Vampire Weekend. Em tempos de singles curtos e álbuns incríveis que duram uma semana nas rodas de discussão, Only God Was Above Us, por mais elogiado que seja, pode terminar o ano não sendo diferente para a maioria das pessoas, mas com certeza será uma peça importante no 2024 de quem vem os acompanhando ao longo de toda essa trajetória.

(Only God Was Above Us em uma faixa: “Classical”)

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Autor:

Nerd de música e fundador do Monkeybuzz.