Resenhas

BJ The Chicago Kid – In My Mind

Álbum tem canções que alternam entre o contemporâneo e a tradição da música negra americana

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Ano: 2016
Selo: Motown
# Faixas: 15
Estilos: Neo Soul, Hip Hop, R&B
Duração: 60:02
Nota: 3.5
Produção: Bryan Sledge

Bryan Sledge, mais conhecido como BJ The Chicago Kid, é um cara trabalhador. Egresso das fileiras dos coros de igreja em sua cidade natal, ele evoluiu rapidamente para produtor, cantor solo e figura descolada no meio do chamado Neo R&B, aquela música que tem algo da modernidade Eletrônica do Rap, mas mantém a melodia e a classe das canções classudas dos tempos idos. A capacidade de lidar com esta urgência de hoje e as referências de ontem é o maior trunfo que Kid tem, ainda que ele não domine igualmente os dois setores. Já com um disco gravado e distribuído de forma independente, In My Mind é seu primeiro álbum por uma gravadora grande, a célebre Motown, e é um bom exemplo desse equilíbrio frágil sendo administrado por ele.

Num ramalhete sonoro de quinze canções, essa luta entre tempos distintos e ânimos diferentes tem lugar, com a participação de uma série de convidados legais, jogando a bola para um lado ou para o outro. Church (com participação de Chance The Rapper) é bem humorada e discorre sobre a dúvida cruel entre encontrar o paraíso na noite de sábado, com mulheres, drogas e tudo mais ou na missa da manhã de domingo, paradoxo de prazeres terrenos x prazeres da alma. Já a lenta e sensual Love Inside, dueto com a cantora Isabella, tem jeitão de balada de FM revisitada, com naipes de metais e algum clima do que os americanos chamam de “slow jam”, aquela canção intencionalmente arrastada, cinematográfica, sexy e moteleira por excelência. Ainda no terreno dessas slow jams, temos a canção seguinte, Resume, com participação de Big K.R.I.T, na qual Kid intencionalmente reduz o acompanhamento dos instrumentos a teclados onipresentes, que fazem só o climão da canção, enquanto investe pesado nas nuances de vocais e voz, causando um clima de beleza Gospel revisitada, algo moderníssimo e que fala às tradições mais remotas da chamada canção negra americana.

Em Shine, Kid tem a chance de passear sozinho, com seus bons dotes vocais, sobre melodia bela erguida por pianos e cordas sintetizadas, com arranjo velha guarda e pinta de canção de filme em que tudo termina bem no fim. É também belíssima a revisita ao clima Gospel mais tradicional, na épica canção Jeremiah/World Needs More Love, com participação de Eric Ingram, com belas intervenções de órgão surgem em meio a piano e guitarra que marcam o andamento quase marcial, com refrão apoteótico e clima de paz mundial. A graciosa The Woman’s World evoca a beleza feminina (e feminista) em meio a instrumental que recupera algo da estética sessentista das baladas Doo Wop, aquele estilo com peripécias vocais dos grandes grupos do passado.

Quando Chicago Kid se arvora a transitar pelos caminhos das vias mais modernosas de expressão da Black Music, ele não alcança os mesmos resultados que obtém quando está emulando tradições mais antigas. Em Wait Til The Morning, ele constrói um cenário apenas ok para falar sobre problemas de casal e desencontros sentimentais, com uma batida monótona e instrumental muito puxado para a eletrônica. É o mesmo caso de Heart Crush, com boa levada Pop, com solos de guitarra e órgão, num bom crossover em que tradição encontra modernidade sem forcação de barra. Crazy, perdida em batidas desconexas é outro exemplo disso, apesar do bom verso “Man, you got do be crazy for something”. A participação de Kendrick Lamar em The New Cupid é exceção a essa regra. Toda baseada em samples de alta qualidade, no caso, da bela Oh Girl, de Raphael Saadiq, que, por sua vez, paga tributo ao Soul da Filadélfia, a melodia mostra a dupla discorrendo sobre a eficiência do tal Cupido, que não anda tão boa nestes dias. Home, com vocais belos e sua letra sobre saudade e noção do lugar de onde você vem como sua verdadeira casa, também faz bonito.

Fechando o álbum, Falling On My Face, outra balada bela sobre questões espirituais no mundo moderno, com piano e cordas muito bem arranjadas e posicionadas e Turnin’ Me Up, mais agitadinha, malandra, com batidas lineares, vocais de apoio bonitinhos e os fundilhos devidos às influências imaculadas da canção negra ianque em sua virada de década em 1970/80, comprovando que o melhor desta estreia de B.J The Chicago Kid é a capacidade de equilibrar modernidade e tradição, ainda que ele se saia bem melhor quando revisita os cânones mais clássicos. Mesmo assim, é pecado menor em vista dos acertos que o álbum traz. Boniteza total.

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BOM PARA QUEM OUVE: D'Angelo, Miguel, Frank Ocean
MARCADORES: Hip Hop, Neo Soul, R&B

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.