Resenhas

William Tyler – Modern Country

Violonista e compositor americano faz um belo disco instrumental sobre saudade do que não viveu

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Ano: 2016
Selo: Merge
# Faixas: 7
Estilos: Folk, Folk Alternativo, Instrumental
Duração: 40:09
Nota: 4.5
Produção: Jon Ashley, William Tyler e Brad Cook

Prepare-se para entrar num mundo diferente. Um mundo delicado, harmonioso, meio tristonho, mas muito bonito. Os instrumentos de cordas, devidamente conduzidos pelos dedos e cérebro de William Tyler, vão te levar por pradarias e paisagens de sonho, todas inseridas no território americano do norte, não exatamente pelo país conhecido como Estados Unidos da América, mas pelo patrimônio imaterial e imemorial que habita a região, que une as pessoas e as faz ser o que são. Falar sobre a música que Tyler oferece neste seu terceiro álbum, Modern Country, envolve ficar meio sem palavras, meio contemplativo e, sim, sentindo-se compelido a habitar estas fronteiras e caminhos que ele desbrava sem emitir uma única palavra.

Tyler tem 37 anos incompletos e nasceu na mítica Nashville, no estado do Tennessee. Desde cedo, manejou os violões que o pai, Dan, mantinha em casa, ele, advogado e compositor das horas vagas. Como o sul dos EUA não têm só injustiça social e preconceito, o jovem William cresceu absorvendo influências generosas de Folk, Blues e Country, mas também com ouvidos ligados no Rock que luminares como The Beatles e (especialmente) The Beach Boys ergueram em suas carreiras. Sabemos bem, não só barulho e hormônios, mas beleza e experimentação também são elementos identitários das obras destas bandas, e foi esta faceta que atraiu o moleque. Após algum tempo tocando em grupos aqui e ali, William ingressou numa carreira solo meio tardia, ali pelo ano de 2010, quando lançou o belo Behold The Spirit. Desde então ele vem aprimorando sua técnica e construindo uma música extremamente gentil e visual, muito americana e capaz de revisitar os caminhos da América mitológica, este parque de diversões anglo-saxão.

É este espírito dos bons tempos que Tyler visa resgatar em Modern Country, perseguindo um futuro ideal que nunca chegou, visando encontrar algum resquício do sonho americano nalgum ponto do caminho. Em sua tour de force, William exercita seu arsenal de sonoridades violonísticas e guitarrísticas, sempre com uma pegada que passa longe do que a música instrumental mais conservadora nos oferece. Não há tédio em qualquer passagem, pelo contrário, há uma expectativa de busca e objetivo atingido, daquela gente que não está na viagem apenas pelo destino, mas pelo próprio prazer de viajar, se deslocar, não criar limo. É possível dizer que o disco é um “álbum de estrada”, tal é a força visual que suas canções evocam. O charme das sete composições está, justamente, na fluência que Tyler obtem não restringindo-as no âmbito dos ritmos puramente americanos mais tradicionais, o que faria o disco soar nostálgico e/ou datado. Ele se vale de uma linguagem moderna, atual, tributária de gente como Daniel Lanois, Bill Frisell ou o combo instrumental atemporal Penguin Orchestra, fluentes em parâmetros de Jazz, Progressivo e Eletrônica, para encontrar este “zeitgeist musical” que Tyler oferece aqui.

As canções, apesar de bastante diferentes entre si, guardam como elo comum este ar moderno, além de oferecerem alternância saudável entre tradição e ousadia, não deixando jamais o molho desandar. A abertura com Highway Anxiety é esta busca pelo futuro que o passado oferecia (e que se perdeu em algum ponto do caminho), cisca pela modernidade implicíta e some, dando lugar à tradição Folk-violeira que é I’m Gonna Live Forever (If It Kills Me). Se Kingdom Of Jones também evoca paisagens mais plácidas, solares e acústicas, Albion Moonlight chega em seguida para equilibrar a felicidade com doses generosas de preguiça/lamento Blues sob a luz da lua. Gone Clear é canção de amanhecer, de dia pela frente, de permanecer no caminho, com acordes maiores que a vida, instrumental de caminho aberto e montanhas sob o céu azul. O fim do disco chega com Sunken Garden, uma canção cheia da sutil percussão de Glen Kotché (Wilco), com pianos atmosféricos e uma bela levada de bateria, desaguando no fim do caminho que é The Great Unwind, representando que lá se foi mais um dia dentre tantos que ainda veremos em nossas vidas. É otimista, apesar de significar uma busca pelo que, aparentemente se foi.

Modern Country é, com o perdão da redundância, moderno e universal, oferecendo uma bela polaroide musical deste sentimento meio estranho que às vezes nos assalta, dizendo que as coisas poderiam ser diferentes se algo lá atrás tivesse sido diferente. É música ambiente-moderna, que pede espaço aberto, fones de ouvido e uma mente em branco, pronta para ser colorida pelas tonalidades surpreendentes que surgem no caminho. Todos a bordo.

(Modern Country em uma faixa: The Great Unwind)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.