Resenhas

Barulhista – Desfiado

Produtor mineiro entrega álbum com sutilezas eletrônicas

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Ano: 2016
Selo: Fluxxx
# Faixas: 12
Estilos: Ambient, Eletrônico, Instrumental
Duração: 76:26
Nota: 4.0
Produção: G.A Barulhista

É preciso enaltecer a escolha deste nome artístico: Barulhista é um acerto no alvo a milhas de distância. O termo é tão bem sacado que já chama a atenção de cara para o trabalho que o sucede, que nem precisaria ser tão interessante. Mas é. O que Barulhista propõe em Desfiado, seu mais novo álbum é uma ampliação de sentidos, algo típico quando a gente se arvora a falar de música ambiente/instrumental moderna, abstrata e, por conseguinte, cheia de significados. É um caso de total e absoluta liberdade criativa, adentrando um mar de possibilidades estéticas cultivadas bem longe da mídia emburrecida ou do senso comum embrutecido. É sutil, porém forte e enganosamente simples de explicar. São “barulhos”, “ruídos”, “sons”, tudo entre aspas, buscando definições que vão um pouco além das palavras.

E por que? Simples, porque é/não é música popular. O velho termo de separar artistas “estudados” de “intuitivos” é algo contra o qual a arte tenta lutar desde meados do século 20. Não é diferente com os sons. Este papo acadêmico fica pra outra hora. Desfiado é um belo álbum, cheio de canções que se embrenham nas alternativas da música eletrônica de têmpera Ambient, escapando belamente do clichê e usando elementos de artistas que nada têm a ver com o gênero. Seria fácil comparar o que sai das caixas de som com os cânones de gente graúda como Brian Eno ou mais contemporânea, como Boards Of Canada, mas dá pra perceber que o sujeito tem uma linguagem própria. Ponto pra ele. Não espanta que haja um clima de paz transmitido pelas canções muito próximo de uma inexplicavel maritimidade que a banda na qual Barulhista opera, Constantina, transmite. E essa gente toda é mineira, geograficamente distante do mar por definição, algo que conseguiram derrubar com a música.

Nas dez faixas (além de dois remixes para a faixa-título), não há momento ruim. Há, sim, horas de brilhantismo em composições, como a belíssima Se Me Coubesse Ficaria, que tem ritmo hipnótico, forte base percussiva, pinceladas de sonoridades emulando guitarra e uma aura de capela de cidade do interior, além de uma estranha – porém explicável – nuance de Clube da Esquina em algum lugar do caminho. Não é recurso clichê para atribuir aos mineiros musicais, é algo que talvez eles nem percebam que fazem, mas que, sim, fazem. Logo atrás, Lavoura e Preguiça são urbanas e rurais ao mesmo tempo, ainda que isso também possa parecer paradoxal, dado o fato dos artistas de música ambiente serem criaturas eminentemente urbanas e movidas pela tecnologia. Mesmo assim, a música de Barulhista evoca temas plácidos e verdejantes em muitos momentos.

A faixa-título já se embrenha em um terreno bem distinto, emulando sons de sirenes e caos, ela se transforma em uma pequena diatribe da cidade em poucos instantes. Logo chega o contrapondo lúdico de caixinha de música na faixa seguinte, Mãos Na Lateral Da Estrutura, que tem condução com programações percussivas bem sutis, mas se espalha em algum tom de mistério ao longo de seus quase sete minutos de duração. Livro Inteiro tem sons singelos que podem ser de pássaros de manhã e algum tom de despertar diante da vida cotidiana, impressão que é desfeita logo em seguida por uma levada sinuosa de música eletrônica do início dos anos 2000, bem colocada, minimalista e profunda. Casanova tem melodia em elipse e ar de fim de tarde, abrindo caminho para Massagem nos Pés e Música Para Adultos, sendo que a última deságua num formato mais padronizado de “canção Pop”, se é que o termo se aplica aqui, mas com linhas melódicas bem mais simples, arranjo gracioso e percussão simplificada. Lembra, bem sutilmente, algo da melodia de Dançando Pelas Sombras, do grupo Boca Livre.

Desfiado é um disco muito bem feito e cheio de criatividade. A música que Barulhista produz aqui é rica, elaborada minuciosamente e pronta para ganhar as mentes do maior número de pessoas. Uma vez aberto o caminho, fica difícil ouvir algo diferente no seu dia. Palmas.

(Desfiado em uma faixa: Se Me Coubesse Ficaria)

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BOM PARA QUEM OUVE: Tycho, Röyksopp, Boards of Canada
ARTISTA: Barulhista

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.