Resenhas

Thievery Corporation – Saudade

Misturando gêneros brasileiros e franceses, novo disco do projeto tem destaque

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Ano: 2014
Selo: ESL
# Faixas: 13
Estilos: Eletrônico
Duração: 42:19
Nota: 3.5
Produção: Rob Garza e Eric Hilton

A imprensa internacional está recebendo e divulgando a informação que Saudade, disco que Thievery Corporation lança neste próximo dia 1º de abril, é um álbum de Bossa Nova. Monkeybuzz, na qualidade de primeiríssimo site brasileiro a resenhar o novo trabalho da dupla americana, discorda, mata a cobra e mostra o pau: Saudade não é um disco exclusivo de Bossa Nova, é muito mais um desses trabalhos intencionalmente revisionistas, que procura recriar uma atmosfera familiar a um determinado tempo/espaço. Neste caso, o alvo de Eric Hilton e Rob Garza, cérebros pensantes do grupo, é a produção Pop europeia e elegante do início da década de 1960, que surgiu numa espécie de contrapartida ao nascente Rock, muito proxima das trilhas sonoras de cinema e de uma apropriação elegante do Jazz. A Bossa Nova teve participação e inspiração decisivas na criação dessa canção elegante, sobretudo italiana e francesa, mas a sonoridade obtida pela dupla é muito mais para essa praia (da Riviera Francesa ou da Costa Amalfitana) que para as areias da Ipanema Beach do fim dos anos 1950.

Tal constatação não impede que a gente goste de Saudade – pelo contrário, a produção Pop europeia sessentista é supimpa, teve musas como Françoise Hardy, lindas, elegantes e moderníssimas, que apareciam na TV em preto e branco, mas povoavam os inconscientes. Talvez por isso, Garza e Hilton tenham escolhido vozes femininas para as canções do disco, que variam entre o inglês, o espanhol, o português, o italiano e o francês, reforçando a noção de que, na melhorzinha das hipóteses, Saudade é um disco do momento “globalizado” da Bossa, não mais que isso. Shana Halligan, Lou Lou Gleichkhani, Karina Zeviani, Elin Melgarejo e Natalia Clavier emprestam seus registros vocais para as composições da dupla e para os instrumentais luxuriantes que foram concebidos para o disco. No meio das músicas com vocais, um singelo instrumental em violão e percussão com o nome do disco, funciona como um entreatos, uma pausa para uma espécie de intervalo comercial de época. Cada canção é uma pequena aula de recriação de ambiência, de passeio por uma Avenue Foch de inconsciente coletivo, com pausa para tomar um sorvete ao fim da tarde. Além das moças, o disco traz a participação de gente boa como o argentino Federico Aubele e o baterista Michael Lowery, do projeto UNKLE, repetindo a tendência da dupla em arrebanhar uma galera para abrilhantar seus discos.

Das vocalistas, a brasileira Zeviani se destaca em Nós Dois, climática e esparsa entre violões e uma maçaroca benéfica de teclados e baixo, dolente e preguiçosa. A outra canção que interpreta, Meu Nego, resvala para uma perigosa estética de bateria de aro e andamento rápido à la João Gilberto, já feito mil vezes desde sempre. Elin Melgarejo, sueca de nascimento, faz bonito na mais interessante canção do disco, Sola In La Cittá, num italiano sedutor e hipnotizante, parecendo um tema jamais gravado de uma aventura jamais filmada de James Bond na Cidade Eterna. As outras aparições de Elin, Quem Le Leva e Quero Você, padecem das letras em português ingênuo, mas ela dá um banho com uma pronúncia bastante razoável. A única aparição de Natalia Clavier faz de Claridad um raro momento de canção sessentista em espanhol, algo que não era tão comum, em detrimento dos outros idiomas europeus. Shana Halligan ganhou a canção de melhor arranjo do disco, Depth Of My Soul, totalmente cinematográfica e com pinta de fonte de samples para bandas de Trip Hop noventistas.

Loulou Ghelichkhani, americana de nascimento, criada em Paris, de ascendência persa, é o grande destaque vocal do disco. Ela já colaborara com a dupla no passo e ressurge linda em cinco canções, com destaque absoluto para Bateau Rouge e Le Coeur, elegantes, contidas e coquetes. Não há dúvida que Hilton e Garza são fãs da música brasileira, escolheram uma palavra sem tradução em seu idioma pátrio e se esforçaram para construir um túnel do tempo musical. Funciona, é bonito mas pode te levar para o Hemisfério Norte, o que, convenhamos, não é nada mau.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.