Resenhas

Aldous Harding – Warm Chris

Com vocal elástico e múltiplas personas, cantora neozelandesa alterna entre ironia e vulnerabilidade em disco cativante

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Ano: 2022
Selo: 4AD
# Faixas: 10
Estilos: Indie Pop
Duração: 39'
Produção: John Parish

A finada banda Violins cantava, em algum momento do início deste século, que “sempre amo alguém que nem conheço assim também, e nem convém conhecer alguém até o final” – quem viveu a cena naquela época não se esquece. O refrão de “Exemplar do Fundo do Poço” vem à mente ao final da enésima audição de Warm Chris, uma obra apaixonante que, mesmo embebida em autoralidade, não nos revela tanto sobre Aldous Harding como os outros discos que carregam esses mesmos adjetivos.

Em seu quarto álbum, a cantora e compositora neozelandesa entrega letras que abusam da subjetividade do ouvinte, apoiadas em repetições e paralelismos sem muitas descrições ou algum desenvolvimento narrativo. Ou seja, mesmo que você ouça a artista cantar sobre situações vividas, emoções íntimas ou reflexões confessionais, há uma enorme camada interpretativa para chegar aos significados.

Aldous se esconde nas faixas do álbum também por trás de uma persona vocal que, se muito agradável de acompanhar, deixa o ouvinte sem saber quão vulnerável e quão irônica ela está sendo. Em diversos momentos de Warm Chris, você parece estar diante de algum alívio cômico dúbio, que pode também ser apenas a maneira que ela escolheu construir suas faixas – uma estética apoiada no indie pop, um território que abraça com naturalidade (e certo obscurantismo) tanto a melancolia, quanto o escárnio (alô, Belle and Sebastian).

O álbum encontra essas qualidades em seu uso frequente de dissonâncias e dinâmicas levemente tensas. Ou seja, é uma obra de sorriso torto, que diz ao ouvinte para ficar à vontade com a sonoridade aveludada que adorna as faixas, mas é difícil relaxar por completo e dialogar com Aldous como uma amiga que se abre para você com suas músicas (como fazem tantas outras cantoras do indie pop).

E, ainda assim, a experiência de escutar Warm Chris é cativante em cada pequeno detalhe, do refrão carismático de “Tick Tock” à levada bacaninha de “Lawn”. Aldous Harding, ao invés de abrir um lado seu ao ouvinte, se multiplica em várias personas por meio de seu potencial vocal tão elástico – ela ora é doce e sussurrada, ora é enérgica e cheia de presença – e você se pega olhando para o app de streaming para saber quem está cantando com ela até se acostumar, com um sorriso satisfeito no rosto – e essa é sua proposta. Não a conhecemos como outras artistas de seu filão, mas seu trabalho nos conquista muito mais do que a grande maioria.

(Warm Chris em uma faixa: “Tick Tock”)

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.