Desde 2006 o canadense Andy Shauf encontrou na música sua maneira de contar histórias. Já são oito álbuns nos quais o artista vem aperfeiçoando sua fórmula, apresentando em suas canções personagens moradores dos rincões desérticos e gelados das pequenas cidades da América do Norte, sempre complexificadas pelo seu olhar.
O álbum The Neon Skyline, por exemplo, conta a rotina de um sujeito cuja passagem do tempo é marcada pelos encontros noturnos no boteco. Já The Party perscruta a mente ansiosa de um personagem introvertido em uma festa. Mas talvez o melhor exemplo de sua discografia por enquanto seja The Bearer of Bad News, que contém a música “Wendell Walker”, sua música de maior sucesso, e que mostra um sujeito perturbado pelo alcoolismo e por uma religiosidade muito mal resolvida que resulta em tragédia.
Digo isso porque Norm, seu mais recente álbum, parece especialmente influenciado por The Bearer of Bad News, embora eleve um pouco a sua ambição: pela primeira vez, Andy Shauf conta uma única história do começo ao fim de um álbum.
Norm pode ser considerado uma história de terror, ou, quem sabe, de suspense inspirada pelo true crime. O álbum começa em tom suave – as cores pastéis da capa induzem nossa percepção, fazendo acreditar que esse será um trabalho contemplativo. Andy Shauf canta com o alcance agudo de sua voz, sempre em volume baixo, serpenteando por escalas cromáticas, enquanto piano e violão constroem uma atmosfera analógica, clássica do folk norte americano, como se estivéssemos assistindo a uma apresentação no lobby do hotel de Twin Peaks.
Aos poucos, no entanto – e principalmente para aqueles que estão prestando atenção nas letras – as coisas começam a se tornar mais ominosas. Sem estragar demais a surpresa, acho que posso dizer que Norm, o sujeito que dá nome ao disco, se revela um stalker problemático, obcecado por uma pessoa, observando-a sempre à distância e ansiando pelo dia que algum envolvimento entre eles finalmente acontecerá.
Acompanhar a história de encontros e desencontros e sua resolução é fascinante e também perturbador. Faço apenas duas ressalvas por aqui: primeiro, é o desenlace um pouco confuso da história, porque ela é elaborada a partir do ponto de vista de três personagens diferentes, o que pode confundir o ouvinte. Precisei fazer um pouco de ginástica mental até decifrar quem estava contando cada parte da história, e, imagino que para um ouvinte um pouco menos engajado, a melhor parte de Norm – o que realmente acontece no final da história – possa acabar se perdendo. Em segundo lugar, não sei qual será o apelo para voltar a ouvir esse trabalho uma vez que o mistério for revelado, já que algumas letras não são nada cômodas de serem ouvidas.
Fora isso, Andy Shauf talvez seja um dos músicos contemporâneos que melhor exploram essa maneira incomum de contar histórias através de suas músicas. Suas melodias cheias de personalidade causam uma estranheza que captura a atenção do ouvinte. Já a qualidade de sua escrita, que sempre foi um ponto muito acima da média, parece estar em sua melhor forma por aqui.
(Norm em uma faixa: “Telephone”)
