Resenhas

Benjamin Booker – Benjamin Booker

Estreia do jovem “bluesman” americano é cheia de fúria

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Ano: 2014
Selo: Rough Trade
# Faixas: 12
Estilos: Blues Rock, Blues Punk, Garage Rock
Duração: 44:27min
Nota: 4.0
Produção: Andija Tokic
SoundCloud: /tracks/143695850

Qual é a cara do Blues hoje? Ainda dá pra falar nele como um estilo viável de música popular em 2014? Gente como Benjamin Booker diz que sim e só nos resta acreditar. Negro, procedente do sul dos Estados Unidos, mais precisamente Nova Orleans, Booker surgiu para as prateleiras de disco sem alarde. Parecia mais um aplicado aluno da cartilha Jack White de música enguitarrada, nervosa e crua. Só que, ao contrário deste suposto mestre do estilo, Benjamin parece trazer em si algo extremamente verdadeiro e isso não se resume a fatores como cor da pele ou origem humilde. Há tempos ficou provado nas ciências sociais que o termo “negro” não quer dizer etnia, mas posição social. Certo que ainda confundimos isso com o fator cromático e o problema é nosso, precisamos entender a realidade. De qualquer maneira, álbuns como esta estreia do jovem cantor, compositor e guitarrista não surgem todos os dias.

Booker é esperto o bastante para aliar “música crua”, no sentido da explosão, dos vocais e ataque de instrumentos com um finíssimo rebuscamento no estúdio. O mérito tem que ser dividido com Andrija Tokic, o sujeito que produziu a estreia de Alabama Shakes, banda de gente como Benjamin, com um pé firme nas melhores tradições da música negra e outro na urbanidade, no presente com cara de futuro que vivemos. Saem o canto das colheitas de algodão ou a trilha da vida entre cidades em busca de emprego nas nascentes indústrias dos anos 1930, 1940 e depois para a entrada de uma música contaminada pela vida hoje, pelas dificuldades de ter emprego, de pensar no futuro, de pagar apartamento, de ter filhos e ser capaz de cuidar, ou, simplesmente, música com vontade de existir, de brigar, de querer um mundo diferente sem que seja preciso doar grana para o Criança Esperança ou confiar na ONU para acabar com a crise no Oriente Médio. É Blues globalizado no sentido real do termo, não na farsa acadêmica do “fim da História”, como se dizia após a queda do Muro de Berlim. Caiu o muro para que fossem relevelados os incontáveis compartimentos estanques que constituem a existência hoje. De alguma forma, o disco de Benjamin Booker é sobre tudo isso e estar puto.

Tokic e Benjamin não entram na onda furada do minimalismo à la The Black Keys e dispõem de uma clássica formação baixo, bateria, guitarra no estúdio, temperada pelo celestial órgão Hammond e o Fender Rhodes, ambos pilotados por Peter Keys, que toca com Lynyrd Skynyrd. O resultado explode em canções como a faixa de abertura, Violent Shiver, pouquíssimo blueseira, mas totalmente garagista. A veia tradicional surge logo na canção seguinte, que tem um andamento à la The Strokes que não chega a incomodar, mas que mostra ser possível fazer pequenas maravilhas com o que já está quase banalizado. Chippewa é moderna e tradicional, com contraponto de órgão aos vocais e à melodia, Slow Coming traz mais guitarradas e vocais oscilando entre o grito e a gentileza, Have You Seen My Son é rapidinham, cheia de vocais raivosos, Spoon Out My Eyeballs pisa firme no freio e oferece um painel sonoro totalmente distinto, lento, sussurrado, contemplativo e sofrido no qual a voz de Booker plana absoluta. O clima é cinzento e distorcido na canção seguinte, Happy Homes, com pedais fuzz, andamento em meia força e órgãos pontuais, já em I Thought I Heard You Screaming temos mais lentidão e um jeito de preguiça matinal de domingo. Old Hearts começa com a oscilação maior entre bateria na velocidade do som, guitarras crocantes que acompanham e vocais gritados no meio da tempestade, introduzindo a enigmática Kids Never Growing Older, com sons e silêncio, altos e baixos, abrindo passagem para o encerramento em By The Evening, a faixa que faz o link entre as tradições do Blues e a modernidade do disco.

Não dá pra saber de Benjamin Booker vai sobreviver artisticamente para lançar mais um álbum, mas ele já conseguiu apontar um caminho seguro, interessante e criativo para o Blues em 2014. Não fez nada de novo, apenas juntou a informação do passado, a tradição que vem no sangue e a atenção ao que acontece hoje. Conseguiu, ao menos, um grande disco.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.