Resenhas

Devendra Banhart – Ma

Em “Ma”, Devendra Banhart renova qualidade estética em um disco que mistura referências de diferentes culturas

Loading

Ano: 2019
Selo: Nonesuch Records
# Faixas: 13
Estilos: Folk Psicodélico, Bossa Nova, Música Latina
Duração: 46'
Nota: 4

O Movimento Antropofágico surgido nos anos 1920 em São Paulo, fundado e teorizado pela pintura modernista Tarsila do Amaral e pelo poeta também modernista, Oswald de Andrade, propunha a devoração cultural – uma modalidade simbólica do canibalismo – de técnicas estrangeiras, tanto europeias como ameríndias e afrodescendentes para criar uma nova linguagem e expressão artística para exportação. Não mais iríamos absorver a cultura de fora, mas sim entender seus elementos e criar algo novo e brasileiro a partir disso. Mesmo distante tanto temporalmente como geograficamente por conta de suas origens norte-americanas e ascendências latinas (Venezuela), Devendra Banhart, em certa medida, parece querer responder às propostas deste movimento.

Desde sempre, esteve imerso na música latina de sua família e criou obras poliglotas que misturam diversas inspirações e aspirações – cantaria em espanhol um ritmo que não necessariamente fosse originário da América Hispânica e faria o mesmo em inglês em outro caso. Sua adoração ao Brasil vem desde suas canções repletas de palavras em português, os seus diversos shows realizados aqui, a Bossa Nova intrínseca a sua discografia e até recentemente uma participação em uma música de O Terno em Atrás/Além (2019).

Em sua mais nova aventura sonora, Ma, vemos que a absorção de outras culturas e a criação de uma sonoridade ainda particular e natural para sua carreira, persiste. Se já tivemos canções com título em alemão em Mala (2013), “Für Hildegard von Bingen”, inspirações asiáticas em Ape in Pink Marble (2016), vemos aqui uma grande salada de Babel, com línguas e gêneros se mesclados em no trabalho mais Hi-Fi de sua carreira.

Devendra nunca soou tão bem e seus arranjos, muitas vezes rústicos e simples, se tornam muito mais inspiradores aqui. A abertura “Is This Nice?” com arranjos orquestrados lembra quase um canção musical cinematográfica – talvez uma semelhança com disco recente de O Terno também seja sentida aqui. “Kantori Ongaku” é a sua homenagem antropofágica à música japonesa dos anos 1960, fortemente inspirada nas sonoridades norte-americanas da mesma época. Cantores como Haruomi Hosono criararm à sua maneira, versões japonesas de gêneros estrangeiros – papel retroativo que Devendra, neste momento, se propõe a fazer. A cultura do sample e reprocessamento de ideias nunca esteve tão presente. “Carolina” é sua canção Brasileira, Folk melancólico que soa tanto sua como de outras pessoas – a excentricidade, no entanto, ímpar ao cantor, revela que suas inspirações reverberam e são a síntese de sua própria expressão.

“Now All Gone” poderia ter sido escrita em japonês, perceba o refrão – sua entonação e mudança repentina dentro da música justificam isso. Variada e ao mesmo tempo cíclica, a música mostra um músico evoluído e consciente. “Love Song” é besta, quase óbvia, mas que canção deliciosa de se ouvir. 

Espanhol, inglês, japonês, português se mesclam ao longo de treze canções que, à princípio, poderiam não se comunicar, mas que parecem homenagear a própria história de Devendra e criam um de seus melhores trabalhos recentes. Seja pela produção distinta e em qualidade sonora elevada, pelos arranjos ou mesmo pelo clima que permeia todo disco, temos aqui um dos álbuns mais gostosos do ano – feito para ter seus momentos excêntricos, divertir, romantizar e ser melancólico sem nunca perder a unidade. Surpreendentemente em 2019, Devendra Banhart parece renascer com a surpresa agradável que é Ma.

(Ma em uma música: “Is This Nice?”)

Loading

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.