Resenhas

Djonga – Ladrão

Mantendo discurso explícito, rapper mineiro nega modismos e se estabelece como referência no terceiro disco em dois anos

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Ano: 2019
Selo: Ceia
# Faixas: 10
Estilos: Hip Hop, Rap
Duração: 40'
Nota: 4
Produção: Coyote Beatz

Quando avisa, na primeira música de Ladrão, Hat-Trick, que está “cada vez mais objetivo”, Djonga não está mentindo. Desde Heresia (2017), seu álbum de estreia, o rapper de Belo Horizonte se posiciona como um dos MCs de discurso mais direto do rap nacional, o que não se limita apenas às linhas explícitas pelas quais ficou conhecido. Da voadora em um garoto branco no clipe de A Música da Mãe até as capas dos dois discos mais recentes, O Menino Que Queria Ser Deus (2018) e Ladrão (2019), passando pelo já icônico refrão de Olho de Tigre, não há rodeios: a mensagem é imediata, o impacto é instantâneo.

Com Ladrão, Djonga chega ao terceiro álbum no período de dois anos, amarrando uma trilogia que surpreende pela manutenção do nível tanto de rimas quanto de produção. Em Heresia, então com 22 anos de idade, o MC exalava uma energia tão latente que não havia espaço para um verso sequer que não fosse gritado. A ambição foi se tornando realidade conforme o mineiro foi ascendendo, e O Menino Queria Ser Deus é o ápice dessa trajetória inicial, onde ele consegue ser mais pessoal no discurso e contempla com maestria tudo o que havia conquistado em tão pouco tempo. Ladrão é o fim deste ciclo, quando o artista olha para o próprio passado e chega a conclusão de que o progresso só é válido se for compartilhado e estiver conectado com suas origens.

Conceitualmente, o terceiro disco do rapper é exatamente o que seu título anuncia, e que sua capa deixa explícito. Djonga se apresenta como anti-herói, assumindo a figura de criminoso socialmente atrelada aos negros. Só que o roubo, nesse caso, está mais para um resgate: o preto tomando do branco aquilo lhe foi tirado e devolvendo para seu povo (uma espécie de Robin Hood do capitalismo atual). O “resgate” se desenvolve enquanto conceito por todas as dez faixas: é o resgate da herança (“Olhe pras suas nega veia e entenda/ Que num é em blog de hippie boy que se aprende sobre ancestralidade”), do propósito do Hip Hop (“Meu melhor verso só serve se mudar vidas”) e, de maneira mais literal, de dinheiro (“Os caras faz Rap pra boy, eu tomo dos boy o ingresso que era do meu povo”).

Em Ladrão, assim como nos dois antecessores, a grande maioria das faixas tem produção assinada pelo belorizontino Coyote Beatz (as exceções são Tipo, pelo JNR Beats, de Maceió, AL, e Deus e o Diabo na Terra do Sol, por Fritz, de Lavras, MG), um dos beatmakers de maior destaque na cena atual. Apesar de significar pouca variedade sonora, a escolha acaba demarcando mais precisamente uma identidade à produção de Djonga, que também deixa quase tudo “em casa” nas participações: Chris MC, Doug Now e o funkeiro MC Kaio, são todos conterrâneos do MC. Ao jogar luz sobre artistas de BH, Djonga não apenas é fiel ao conceito de Ladrão, mas reconhece que, apesar de maior expoente, é também resultado de uma cena cada vez mais em ebulição. Além do Rap, com os lançamentos recentes de Sidoka (conhecido depois do flow acelerado no verso em Ufa, de O Menino Que Queria Ser Deus) e FBC, o funk da capital mineira está cada vez mais inventivo nas batidas lentas e viajadas de nomes como MC Rick (com quem Djonga já gravou uma música) e L da Vinte (dono do hit Parado No Bailão). Único rapper de fora do estado a cantar em Ladrão, o carioca Filipe Ret chega com um flow atmosférico para entregar um dos melhores versos do LP, falando das tragédias de Mariana e Brumadinho e dando uma leve cutucada no baiano Baco Exu do Blues.

Liricamente, Djonga está tão afiado quanto em O Menino Que Queria Ser Deus, enumerando referências de cinema, música e futebol e brincando com a sonoridade das palavras tão facilmente quanto tira sarro do tal Palco Favela do Rock in Rio. Se em OMQQSD ele cantou sobre o filho, agora rima sobre os pais e avós (Bença), e o momento “acústico” do disco anterior (De Lá) também retorna, agora como uma releitura de Moleque Atrevido (MLK 4TR3V1D0), Samba de Jorge Aragão. Em relação aos dois primeiros álbuns, contudo, Ladrão soa menos ingênuo, repleto de autorreferências, com uma busca evidente por ganchos chiclete e uma love song (Leal) bem mais apaixonada que as anteriores (como Geminiano, de Heresia, e Solto, de OMQQSD).

Ladrão chega evidenciando o respeito conquistado por Djonga nos últimos anos. Além de celebrado por Marília Mendonça no Twitter, das parcerias com gente como Mano Brown e Karol Conka, o rapper mineiro é hoje um dos mais bem-sucedidos de uma geração que começou a ganhar destaque nacional em 2016, com a proliferação de cyphers (Poetas no Topo, Favela Vive) no YouTube, entre eles BK, Baco Exu do Blues, Sant, Orochi, Froid, Coruja BC1. Com uma trilogia já marcada na história do Rap do país, Djonga desponta sem ceder aos maneirismos de produção que estão na moda e sem generalizar o discurso para alcançar um público mais amplo. Ele não soa didático em excesso quando faz Rap de mensagem e foge dos estereótipos quando rima sobre empoderamento. Mais: após três discos, Djonga continua desbocado e objetivo – e, por isso mesmo, cada vez mais relevante.

(Ladrão em uma música: Ladrão)

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BOM PARA QUEM OUVE: Baco Exu do Blues, BK, Coruja BC1
ARTISTA: Djonga
MARCADORES: Hip-Hop, Rap

Autor:

péssima postura lombar e atitude difícil. escreve absurdos e obviedades sobre música (@lucsabreda).