Resenhas

Feist – Multitudes

Em sexto álbum, artista canadense flutua por questões pessoais e políticas e, enquanto revisita o passado, imagina caminhos futuros

Loading

Selo: Polydor
# Faixas: 12
Estilos: Folk, Indie
Duração: 46'
Produção: Feist, Robbie Lackritz, Blake Mills, Mike Mills, Mocky

Leslie Feist se desdobra em Multitudes, o sexto álbum de sua discografia. Nesse trabalho, que foi gestado neste período particularmente difícil que nos acomete desde a virada da década, a cantora canadense se coloca no centro de um palco quase vazio, e o preenche com sua voz, que ecoa e reverbera sem esforço.

A ideia de desdobramento é muito presente como metáfora e aparece em quase todas as instâncias do álbum. As letras, por exemplo, falam sobre o avançar e o recuar do tempo, sobre nossos ancestrais e sobre o caminho das gerações futuras. A linguagem visual do álbum mostra um glitch no qual a cantora se repete, um multiverso particular que causa a impressão de que ela basta por si mesma. Já nas músicas, ela canta os próprios backing vocals, elaborando melodias que se sobrepõem e servem como harmonia para o que virá em seguida.

Multitudes funciona como uma grande canção, um único flow se estende pelo álbum inteiro, com faixas que funcionam sozinhas, mas também se encaixam muito bem umas nas outras. O fato de as faixas conversarem tão bem entre si denotam não apenas um trabalho coeso, mas revela também um grande momento de inspiração para a artista, que atravessou os últimos anos um período difícil, mas particularmente inspirado.

Ela escreveu numa nota sobre o lançamento do disco: “Os últimos anos foram um período de confronto para mim e parece que, pelo menos até certo ponto, para todos. Nós nos confrontamos tanto quanto nossos relacionamentos nos confrontaram. Parecia que nossos ecossistemas relacionais estavam mais claros do que nunca e, portanto, tudo o que normalmente era obscurecido […] foi repentinamente lançado à luz. E em toda essa reavaliação, a chance de encontrar um terreno mais saudável e honesto tornou-se possível. O esforço para evitar a mudança parecia exigir mais esforço do que apenas nos entregarmos à verdade”.

Numa esfera maior, que inevitavelmente engloba esse álbum, os últimos anos foram caracterizados pela  pandemia e pela tensão política. Mas Multitudes é marcado também por questões pessoais, já que chega após Feist adotar a primeira filha e também após a morte de seu pai. No entanto, todas essas questões particulares são endereçadas a partir de forças mais arquetípicas. Basta ouvir a introdução de “Of Womankind” para perceber a invocação de uma energia telúrica, uma tentativa da artista em domar e transcender as forças da natureza: o vento, a chuva, o tempo.

Percussões pontuadas marcam momentos mais energéticos como na faixa “In Lightining”. Em “I Took All of My Rings Off”, arranjos de corda serpenteiam entre timbres eletrônicos. Em outros momentos, Feist toca violão de aço e canta entre respirações, sustenta suas notas cheias de ar, como se meditasse através das melodias. Nesse intervalo, navega o labirinto do tempo, enquanto tenta consertar erros do passado e imaginar futuros possíveis.

(Multitudes em uma faixa: “Become The Earth”)

Loading

ARTISTA: Feist

Autor:

é músico e escreve sobre arte