Resenhas

Gabriel Ventura – Tarde

Com versos potentes e guitarra marcante, primeiro disco solo do ex-integrante da Ventre é, ao mesmo tempo, intenso e silencioso

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Ano: 2022
Selo: Balaclava Records
# Faixas: 9
Estilos: Rock
Duração: 36’
Produção: Patrick Laplan

Tarde: advérbio que o dicionário Oxford define como 1) depois do tempo ou da hora certa, apropriada ou combinada; e 2) a horas adiantadas da noite. Além disso, Tarde é também o título da estreia solo do músico carioca Gabriel Ventura, ex-integrante da banda Ventre.

De certa forma, o disco traz esses dois sentidos apresentados pelo dicionário, mas também carrega muito mais. Lançado pouco mais de três anos após o fim do trio, o registro parece “atrasado” para aquela parcela do público que ansiava por mais das músicas de Gabriel. Ao mesmo tempo, seria impossível esperar que um disco com tamanha vulnerabilidade e entrega fosse escrito e produzido em um curto espaço de tempo. Já a outra definição, o entardecer, faz muito mais sentido: há luz, mas também a falta dela faz parte das canções. O sol poente ilumina, mas também cria sombras longas e lânguidas.

Tarde é um registro que anda num lusco-fusco por meio de letras simples, mas potentes – o que também pode ser dito sobre a instrumentação da obra. As canções versam sobre percepções bastante pessoais de relacionamentos, a partir de um olhar incisivo sobre os próprios fracassos, que é capaz de reconhecer suas fragilidades. São versos doloridos e econômicos que crescem em simbiose aos arranjos, produzidos em parceria com Patrick Laplan (ex-Los Hermanos)

O produtor ainda assume as baquetas e a programação eletrônica, criando um emaranhado ora ruidoso, ora minimalista para a voz e a guitarra de Gabriel. As canções são guiadas principalmente pelas cordas características de Ventura, com a adição de batidas posicionadas em locais estratégicos (em certos momentos surgindo de forma explosiva, em outros vindos quase como algo ritualístico). Somasse a isso ruídos eletrônicos e efeitos diversos que capturam a atenção do ouvinte, revelando camadas e significados a cada nova audição.

“O Teste”, canção que abre o registro, serve como um bom resumo do que ouviremos ao longo da obra. A lenta construção começa a empilhar elementos que vão de versos doloridos a acordes esparsos de guitarra. Calmamente, surgem efeitos de distorção, as batidas ganham cada vez mais peso e outros efeitos sonoros (como telefones e outros pequenos ruídos) nos ambientam em uma canção de versos potentes como “O fracasso não me amedronta/ Tenho uma tonelada de remorso em mim E vou me derramar aqui/ Vem ver”. Até a chegada da derradeira “Vontade”, o disco continua navegando por mares melodiosos, singelos e, às vezes, conflitantes.

Intenso, ainda que em alguns momentos silencioso, Tarde é uma estreia e tanto. Longe do som mais direto da extinta Ventre, Gabriel Ventura parece buscar uma sonoridade mais esparsa e atmosférica, construída lentamente nas guitarras e em seus versos quase declamados. O registro não se apressa, não tem medo de soar letárgico. É o tempo necessário para aproveitar a luz crepuscular que se esvai.

(Tarde em uma faixa: “O Teste”)

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Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts