Resenhas

Maggie Rogers – Surrender

Sensível e divertido, segundo álbum da artista americana tem poesia mais direta e voz em primeiro plano

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Ano: 2022
Selo: Debay Sounds/Universal Music
# Faixas: 12
Estilos: Pop, Indie Pop, Indie Folk
Duração: 46'
Produção: Maggie Rogers, Del Water Gap e Kid Harpoon

É fácil afirmar: ninguém hoje é a mesma pessoa que era em 2019. A pandemia, junto de seus consequentes isolamentos e efeitos em nossa psique – dos mais simples e positivos, como a ânsia de viver mais e melhor, até os mais doentios –, fez com que o mundo inteiro se visse, de uma forma ou de outra, transformado ao longo desse espaço de tempo tão curto, mas tão intenso. No caso de Maggie Rogers, que lançou seu disco de estreia (Heard It in a Past Life) um ano antes do “fim do mundo”, a artista precisou colocar na conta também a promessa de uma carreira em ascendência, que incluiu desde uma elogiada performance no célebre Saturday Night Live até turnê abrindo para Harry Styles. Ela era uma artista promissora que não só cantava e se apresentava bem ao vivo, mas que também tinha a mão cheia na composição e na produção, e todos os seus planos para 2020 e 21 foram completamente esvaziados frente ao fechamento de possibilidades de shows ao redor do globo.

Surrender é uma obra que responde a todo esse momento, mas principalmente às transformações que Maggie enfrentou internamente como pessoa e como artista frente à pandemia. Diferente do seu anterior – que tinha charme pop em uma produção muito sob medida para dar conta de uma cantora que parecia estar descobrindo sua voz fora do folk de suas primeiras gravações –, o álbum não teme exageros e traz um volume intenso na escolha dos seus timbres, na ambientação de “banda” em que muitas faixas são construídas (e como ela tem se apresentado ao vivo ultimamente) e em uma poesia mais direta, sem rodeios, principalmente ao falar de amor. Mais do que tudo isso, o vocal de Maggie parece ser a maior transmutação em sua música, tendo abraçado uma força que sempre esteve presente, ainda que discretamente, em sua performance e que toma agora o palco inteiro.

Isso é perceptível logo em “Overdrive”, a faixa de abertura, mas já era gritante nos singles “That’s Where I Am” e “Want Want”. Ao longo das 12 faixas, a potência de sua voz torna-se protagonista em seu trabalho, ora a favor de baladas que devem agradar em cheio um grande público (“Horses” e “I’ve Got a Friend”), ora pronta para também se divertir de uma maneira livre, leve e solta (“Shatter”). É a transição definitiva de uma artista que chamou atenção primeiramente por seu trabalho nos bastidores de seu próprio som, como uma produtora de mão cheia, e encontrou de vez aquilo que mais justifica sua posição debaixo dos holofotes em grandes, ou enormes, palcos. Não que Surrender não apresente momentos interessantes de produção (da aparente inspiração em Bon Iver em “Anywhere With You” a “Begging for Rain”, que une todas as suas melhores características de uma só vez), mas o disco é marcado pela artista enquanto intérprete.

Para acompanhá-la, há uma notável inspiração no punk e pós-punk de décadas atrás nos arranjos (e a presença de David Byrne no clipe de “That’s Where I Am” não é à toa). Essa sonoridade confere um aspecto levemente tenso, uma dinâmica animada de quem não tem tempo a perder que combina tanto com seu vocal aventureiro, quanto com o tempo pandêmico em que a obra foi concebida e lançada. Surrender é divertido em sua expansividade e sensível na maneira como aproxima a autoralidade de Maggie Rogers a um lugar mais central do espectro do pop, apontando sua carreira em uma direção mais “estelar” do que já havia sido projetado. Com novo fôlego, e muito ar na voz, fica a prova de que este é o segundo álbum de muitos que ela ainda nos dará.

(Surrender em uma faixa: “Want Want”)

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ARTISTA: Maggie Rogers

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.