Resenhas

Marcola Bituca – Os Últimos Filhos de Sião

Cotidiano das ruas de Salvador e influência envolvente do pagodão baiano marcam segundo disco do rapper

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Ano: 2020
Selo: Marcola
# Faixas: 9
Estilos: Rap
Duração: 21'
Produção: Aquahertz

Embalado pelo groove arrastado – sonoridade inconfundível de bandas baianas como Parangolé e Fantasmão, especialmente durante os anos 2000 –, o rapper Marcola Bituca apresenta o segundo disco solo da carreira. Os Últimos Filhos de Sião (2020) é o sucessor de Yat (2019) e dá sequência ao trabalho do soteropolitano em parceria com o beatmaker Aquahertz, que produz a grande maioria das faixas deste novo trabalho.

No antigo testamento da Bíblia, Sião é uma maneira afetuosa de se referir a Jerusalém, portanto, seus filhos seriam os nativos da cidade de Israel. O disco de Marcola tem a temática religiosa como escopo central, ainda que as pontas, ao final do repertório, fiquem meio soltas e a metáfora, aberta. Em seu sentido mais literal, o tema não é destrinchado a ponto de suscitar paralelos delimitados a respeito de quem seriam os filhos de Sião ou “onde” estaria a cidade nos dias de hoje. “Por quê ofendemos os deuses, por quê, por quê?”,  em “A Maldição dos Deuses” é uma das menções a divindades que o artista faz no disco – tipo de abordagem trabalhada de maneira recorrente e despejada pelo Rap nacional, inclusive por conterrâneos de Bituca, como Baco Exu do Blues.

Versos como “Pintei minha cara de branco / Ela riu e achou piada / Nunca ouviu falar Fantasmão” em “Corredor da Vitória” mostram com nitidez o lugar de onde Marcola fala. A música, que narra o relacionamento com uma garota aparentemente de classe média alta, sintetiza o abismo entre as classes sociais existentes em Salvador. Bituca, que já foi camelô, usa muitas referências de quem realmente vive o cotidiano da capital da Bahia de uma maneira muito genuína. “A rua sempre foi os camelô”.

Ponto de destaque do disco, a produção realça as qualidades de Marcola, que soa mais confortável sobre as batidas com marcação do pagodão do que nos andamentos de Rap. A união entre as baterias do pagodão baiano e – principalmente – o Trap já se mostrou bem possível, como em “Der e Vier”, do também soteropolitano Raonir Braz. Definitivamente, é um caminho que vale a pena ser explorado por Marcola. “Sinos de São José” e “Samsara”, por exemplo, crescem muito com a percussão baiana e “se vier um cavaquinho, o típico cavaco do pagodão” – como diria Igor Kannário –, quem ganha é o Rap nacional. Essa qualidade das produções não se deve apenas à habilidade de Marcola para compor um refrão marcante ou ao beatmaker Aquahertz, mas também às conexões autênticas de Bituca com nomes do McDO, do Afrocidade, de ótima aparição na faixa que abre o trabalho. Os Últimos Filhos de Sião ainda conta com breve participação de Rincón Sapiência e Cristal – que bota no bolso a faixa “Filhos de Sião”.

Com bons ganchos, o segundo disco de Marcola Bituca tem algumas oscilações, marcadas pela alternância entre letras interessantes e outras, de temas menos desenvolvidos, que passam batidas. A riqueza de Os Últimos Filhos de Sião, contudo, está na aliança entre o pagodão baiano e o Rap: um instrumental mais convencional ganha mais apelo e incremento assim que o groove arrastado entra em cena. O ritmo vem batendo à porta do mainstream recentemente e pode, como o Brega Funk, se tornar uma grande onda. Marcola parece estar atento a isso.

(Os Últimos Filhos de Sião em uma faixa: “Samsara”)

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