Freud disse que o maior ato de poder é dar um nome a um filho. É provável que ele não tenha pensadonos ecos desse conceito na música, mas nomes artísticos também carregam grande poder. Nesse sentido, quando o produtor e compositor americano Ringgo Ancheta pensou em Mndsgn para nomear seu projeto, talvez ele não soubesse o poder que esta conjunção de palavras (mind + design) teria dentro da missão de representar o universo sonoro criado em sua discografia. Seja como for, sua obra fala por si, e nela encontramos uma rica variedade de texturas que trazem esta perspectiva sensorial dos caminhos da mente.
O hip hop tem uma influência nítida nas suas escolhas estéticas do produtor que reside em Los Angeles. A partir de 2014, com o disco Yawn Zen, ficou mais claro que seus beats ocupavam um lugar muito particular dentro da crescente Lo-Fi – em contrapartida ao maximalismo trap e pop dos 2010. Dentro deste recorte, Ringgo também desenhava diferentes caminhos por meio da suavidade do R&B, o que o levou a se afastar do formato produtor de beat e partir para gravações de sessões com instrumentos acústicos em seu disco Rare Pleasure (2021). Apesar de mais low profile do que outros produtores de Los Angeles, Mndsgn se consolidou na segunda metade dos 2010 como um artista capaz de sintetizar diferentes linguagens a serviço de uma comunicação introspectiva e autêntica. Ouvir seus trabalhos é, ao mesmo tempo, sentir o groove e a calmaria, mas também um experimentalismo na medida certa.
Agora, esse espírito experimental e introspectivo parece trazê-lo de volta para o notebook, porém sem voltar completamente à função de beatmaker. Quase como a terceira parte de uma trilogia (precedida por Snax e Snaxx), Snaxxx traz um recorte da mente de Mndsgn que não é necessariamente novo, mas que inaugura possibilidades. Em menos de 30 minutos de duração, Ringgo traz a pesquisa raiz de samples como matéria-prima do disco – com referências do soul, funk americano e soft rock. Aqui, os samples não emprestam apenas o referencial rítmico, mas todo o espírito dos anos 1970 e 1980, mesmo que ouvidos por fitas cassete e VHS antigas. Na verdade, é a partir das texturas de baixa fidelidade que Ringgo constrói seu labirinto, no qual é permitido (e até encorajado) se perder. Com faixas que não ultrapassam 2 minutos e meio, o produtor apresenta uma elegante solução para que o ouvinte, em meio à rapidez contemporânea, ainda consiga flutuar sem rimo dentro de um mesmo registro.
“YUM.ME”, como o nome da faixa sugere, é o primeiro aperitivo do cardápio de Mndsgn – caprichado de sabor e groove, do jazz ao R&B. O spoken-word brega e sensual na medida é representado por “Finallyalone”, em uma repetição de voz incessante, mas que, a cada novo arranjo, ganha um contorno diferente. Com participação Anna Wise, “Particular Flowr” consegue, mesmo em um beat mais típico do rap, conduzir o ouvinte por acordes e melodias contra intuitivas – um talento cada vez mais evidente de Mndsgn. “LUV MIRAGE” bebe diretamente da curadoria do vaporwave, especificamente de trilhas sonoras genéricas de grandes redes de supermercados, feitas para sem ignoradas, porém de swing inegável. “SNT”, por sua vez, finaliza esta viagem sem grandes mirabolâncias melódicas, quase como um agradecimento comercial. Um “obrigado por visitar a mente de Mndsgn”.
Em um misto de beat tape, disco autoral e refúgio mental, Mndsgn constrói uma nova possibilidade dentro de seu particular e groovado universo. Mais uma vez, produtor Ringgo Ancheta destrincha os caminhos da nostalgia e da memória a partir de uma seleção primorosa de samples, com uma construção de melodias ora complexas, ora simples. Nesse jogo de passado/presente, ele pinta aquele limbo em que gostamos tanto de nos refugiar – um universo Lo-Fi, mas que segue extremamente fiel às referências de jazz e R&B Hi-Fi. Um jogo de oposições capaz de nos capturar
(Snaxxx em uma faixa: “Finallyalone”)
