Resenhas

Olivia Rodrigo – Guts

Do pop punk ao folk pop, segundo disco da cantora americana se equilibra entre melancolia e raiva – e brilha mais forte quando é capaz de surpreender

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Ano: 2023
Selo: Geffen Records
# Faixas: 12
Estilos: Pop, pop punk, indie rock
Duração: 39'
Produção: Daniel Nigro

A contracapa de Guts, segundo trabalho de Olivia Rodrigo, mostra um recorte do rosto da cantora americana, em que a boca destacada passa a impressão de soltar um gritão com a lista das músicas do disco. Ainda que o esmalte preto das unhas esteja descascado, o batom vermelho nos lábios não está borrado – segue irretocável. A fotografia ajuda a ilustrar a personalidade da estrela mirim que busca um caminho autoral.

Por mais que tente fugir do padrão da Disney, canal que a revelou no final da última década, ela não consegue escapar desse lugar, pois seus desabafos são envolvidos pelo verniz da música pop. No entanto, o álbum brilha mais forte quando surpreende. “Guts” pode ser entendido como vísceras, no sentido dela abrir o coração nas 12 faixas do registro.

O som polido foi alcançado em colaboração com o produtor musical Daniel Nigro, seu parceiro na estreia em Sour, de 2021, e colaborador de Carly Rae Jepsen, Sky Ferreira e Caroline Polachek. Repetindo o formato do debute, o novo trabalho se divide entre baladas ao som do piano, acompanhadas por reflexões melancólicas, e canções raivosas recheadas de solos de guitarra e gritaria, inspiradas no ritmo agitado do punk.

O single apresentado no final de junho, “vampire”, cresce ao ponto de ebulição e se torna uma ópera-rock sobre um contatinho que a procura apenas à noite. A inspiração na criatura noturna vem do filme Crepúsculo, lançado em 2008, quando a compositora tinha apenas três anos de idade. “Eu me achava esperta/ mas você me fez parecer tão ingênua”, ela canta no refrão.

Com letras que exploram inseguranças e corações partidos, ela narra memórias de relacionamentos fracassados, situações constrangedoras e dores do amadurecimento. A referência de “all-american bitch” vem do ensaio Rastejando até Belém, publicado em 1967 pela jornalista Joan Didion. Quando a escritora conversa com adolescentes que fugiram de casa, Jeff, de 16 anos, descreve a própria mãe como uma vadia tipicamente americana.

A introdução reflete a dualidade que permeia o disco: a pressão pelo perfeccionismo da boa moça que cresceu sob os holofotes, e a negação pelo posto de exemplo ou voz da geração Z. “Não fico brava quando estou puta/ Sou uma eterna otimista/ Grito comigo mesma para lidar com tudo isso”, afirma antes de soltar um berro, dessa vez, para o mundo. O seu andamento também reflete as marés de sensações, porque intercala os movimentos suaves da guitarra na cama criada por sintetizadores, com o refrão enérgico. Ao brincar que tem classe como uma Kennedy, ela questiona o papel das mulheres na sociedade, tema recorrente no trabalho.

Nem tudo é angústia, há humor na forma como os versos são entoados pela vocalista. Da leva voltada ao pop rock, “bad idea right?” descreve uma relação entre ex-namorados, em que ela questiona por que as pessoas não podem se reconectar. Já “ballad of a homeschooled girl” e “get him back!” entram na lista das mais melodramáticas com sentimentos maximizados pelas lentes da pouca idade. “pretty isn’t pretty” bebe diretamente do indie rock das compositoras que se destacaram na última década, como Soccer Mommy e Snail Mail. Ainda que o ritmo seja suave, a letra carregada de autocomiseração fala diretamente com o emo: “Comprei uma nova prescrição para tentar ficar calma/ Olho no espelho e vejo coisas erradas”.

Seguindo a tradição da Taylor Swift, de músicas sobre inveja feminina, “lacy” confessa o ressentimento em relação a pessoa que seria a “reencarnação da Brigitte Bardot”. Com a voz sussurrada e o dedilhado no violão, os versos não são tão inspirados quando ela é menos específica – “Você tem a única coisa que eu quero/ É como se você fosse feita de pó de anjo”.

A sensação que Guts passa é a de que ele morde e assopra, ao tentar conciliar os extremos emocionais de uma pessoa que vive com sentimentos à flor da pele. De um lado, estão as humilhações do início da vida adulta, mas do outro, existe a constatação de que as dores passam com o tempo. O álbum funciona como trilha sonora para quem compartilha dessas angústias, mas também para quem já viveu tudo isso, porém gosta de se lembrar de como as coisas já foram um dia.

(Guts em uma faixa: “ballad of a homeschooled girl”) 

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