Desde 2010, Roniere, hoje conhecido como RHR, vem movendo pistas de dança, trilhando longo caminho pelas raves em galpões da selva de pedra de São Paulo. Ele, que a essa altura do campeonato dispensa apresentações dentro e fora da cena eletrônica, lançou recentemente o EP EN-GIRO, no qual mantém sua inconfundível estética de elementos sincopados. Referências ao funk chegam envelopadas numa brasilidade afrofuturista quase distópica e se misturam ao que há de mais vanguardista no universo da bass music, do electro, do techno e do dub mundial. Numa parceria entre o artista, a gravadora Nice & Deadly Records e recursos do Fundo de Apoio À Cultura do Distrito Federal, o projeto revela muita maturidade em termos de criação, demonstrando o resultado de uma década e tanto de pistas, somadas à sagacidade de produzir músicas que ecoam vozes da quebrada de uma forma única.
A primeira faixa, “DIAGONAL”, feita em duas versões, é frenética e acompanha os vocais do londrino Logan_olm, grande nome do grime e do dubstep britânico. Já “FLEXIONA” parece nos levar para um baile em 2050 – um som, ao mesmo tempo, industrial e cheio de gingado. Acho que “industrial e cheio de gingado” inclusive parece ser a melhor forma de definir a música do Roni. Essa terceira faixa foi feita numa parceria com o promissor talento Rxfx, diretamente de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Numa mistura entre mandelão e dubstep, o encontro traz a química certa para criar um som que já está no pen drive de muitos DJs por aí.
“Y6Y9” é uma das mais surpreendentes e experimentais músicas ao longo do disco, convergindo instrumentais do que parece ser música clássica chinesa ou árabe, graves fortes e groovados com elementos de electro e dub. Há também o minimalismo e o teor abstrato de “TRIPTAMINA”, com texturas e sobreposições sonoras – o título faz referência a uma categoria de neuromoduladores químicos de ocorrência natural, como DMT, psilocibina e psilocina, mas também melatonina e serotonina. A produção remete muito ao som de lendas do electro, como Gerald Donald e o coletivo Underground Resistance.
Aventurando-se pelo trance, o acid e até sons mais orgânicos, como cantos de pássaros, a faixa-título desafia, de maneira afiada, o que RHR vinha incorporando em sua obra até então. Por fim, “DARKEST LIGHT” (RHR’s Souls Tribute Remix), faixa-extra incluída na versão do disco à venda no Bandcamp, parece ser um tributo ao funk típico dos anos 2000, com atabaques num estilo até meio carioca de produção, mas sampleando o famoso trecho de saxofone de “Darkest Light”, do grupo Lafayette Afro Rock Band, de 1974. Com uma levada que, por conta da velocidade, chega a remeter ao drum ‘n’ bass, a produção tem texturas impressionantes e se aproveita do sample de maneira certeira e jazzeada.
Com repertório envolvente, EN-GIRO soa ótimo nos fones de ouvido e caixas de som, mas, com certeza, pode ser ainda melhor apreciado em uma pista de dança fervendo. Roniere, seja no estúdio ou na festa, entrega tudo e mais um pouco.
(EN-GIRO em uma faixa: “Y6Y9”)