O cantor, compositor e guitarrista Rogér Fakhr é uma lenda da música libanesa que permaneceu por longos quarenta anos em anonimato. Além de ter colaborado com ícones como Fairouz, Issam Hajali e Ziad Rahbani, ele traduziu em suas canções a voz da geração que viveu a Guerra Civil Libanesa de 1975. Nesse sentido, as influências da contracultura, do movimento hippie, dos Panteras Negras e da psicodelia setentista estão nas produções de Fakhr, que hoje vive na Califórnia. Somadas às referências de um compositor vindo da riquíssima tradição musical da cultura árabe, o resultado foram produções incríveis como as que hoje podemos testemunhar no seu “novo” disco, lançado em dezembro de 2023, mas produzido nos anos 1970.
East Of Any Place é um apanhado de 10 canções gravadas em diárias inteiras de estúdio entre Beirute e Paris, e que ficaram de fora do primeiro lançamento de Fakhr pela Habibi Funk Records, Fine Anyway (2021), outro álbum de arquivo. As faixas permaneceram intocadas desde a década de 1970 e foram ouvidas por pouquíssimas pessoas desde então. Esse lançamento se diferencia do seu primeiro disco, com canções que fazem menos referência direta à música libanesa, se apropriando mais de gêneros considerados “ocidentais” para criar versos em língua inglesa com grande beleza.
Por serem quase todas cantadas em inglês, o formato e as melodias das canções lembram um pouco as levadas de Bob Dylan ou ainda a melancolia dos versos do Nick Drake. Isso porque o Fakhr bebeu muito do folk, do country e da americana – um exemplo é a brevidade de várias faixas, que não passam de dois minutos –, além do rock britânico dos anos 1970. Sua autenticidade aparece na faixa-título, com belíssimos e etéreos vocais que tomam conta do espaço – além da ideia estar a oeste de qualquer lugar, ou seja, de estar no oriente de algo, talvez por sua origem libanesa. “East of any place that I might be, There’s a sun that rises just for me”
Outro destaque é o apaixonante dueto com a talentosa e misteriosa cantora Bruna-Maria Naufal, em “Road Of Farewell”. Já faixas como “For Free”, com suaves arranjos de flauta que acompanham a melódica voz do Fakhr recheada de reverb, lembram muito Pink Floyd e outros grupos psicodélicos ingleses. “Queen of Diamonds” é uma das mais “nickdrakeanas”, como se Rogér fosse um primo libanês do músico britânico.
Como nem tudo são flores, há também uma melancolia forte nas letras e na energia das canções, provavelmente por emergirem de um contexto tão socialmente caótico e politicamente degradante como uma guerra civil. Muitas soam como gritos desesperados ou lamentos desesperançosos. No entanto, do concreto duro e frio dos escombros de um acontecimento histórico horrível vieram a brotar as flores que são essas canções.
(East Of Any Place em uma faixa: “East Of Any Place”)