Resenhas

Sara Não Tem Nome – A Situação

Com paleta de sons expandida, Sara Alves debruça seu olhar crítico e poético sobre a maluquice do mundo contemporâneo

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Ano: 2023
Selo: Independente
# Faixas: 12
Estilos: Indie, Post-Rock, Experimental
Duração: 36'
Produção: Sara Alves

Há oito anos, quando o mundo parecia um pouco mais simples, a belo-horizontina Sara Alves já manifestava uma visão interessante e pouco óbvia. Sua estreia, com o disco Omega III, está recheada de percepções sagazes sobre o cotidiano, que abarcam a melancolia da estética de um rock triste, ressoando uma voz capaz de narrar situações de maneira característica e cativante. Assim, Sara se consolidou como uma artista multidisciplinar, mas que fazia da música uma sincera e necessária parceira. Sete anos depois, ela retorna com um disco que reúne pensamentos que começaram em 2016, mas que precisaram de um tempo significativo para serem processados. O teste do segundo disco de Sara Não Tem Nome ganha ainda um nível de dificuldade extra já que, além de todos os desafios inerentes à sequência da estreia, Sara Alves também teve a missão de absorver e condensar uma das décadas mais caóticas da história recente.

Neste disco, a artista nos dá um panorama d’A Situaçao. O rock melancólico ainda está presente entre as 12 faixas do registro, mas ele não seria suficiente para dar conta dos últimos anos. Assim, Sara abre a paleta de sons para tecer suas observações debochadas, mas certeiras. Ritmos brasileiros, arranjos grandiosos de cordas e metais quentes são alguns dos recursos acrescidos à sonoridade pregressa da artista. Estes, por sua vez, impulsionam o disco a um novo patamar – não apenas no sentido de “complexidade”, mas também na forma como o discurso de Sara é potencializado. Esta saída da zona de conforto apenas reflete a realidade vivida e o que antes era apenas lido e ouvido como cômico, de repente se torna um comentário sutil, ácido e impactante. É quase uma ópera tragicômica na qual personagens e vivências são observados pela ótica de Sara e sentidos por nós.

O disco já começa nos tirando da zona de conforto, trocando o rock triste de 2015 pela marchinha “Pare” –  trazendo a folia à tona, sem, entretanto, abrir mão de uma faceta soturna. Transitando entre diferentes tempos, “Deja Vu” volta à sonoridade conhecida de antes, para mostrar como muitas vezes o caos presente é apenas uma repetição de tempos atrás – uma música que cai como uma luva no contexto político brasileiro. “Revés, Volte 4 Casas” percorre o vocabulário de economia em tons altos e quase esganiçados. “Cidadão de Bens” passeia por entre a psicodelia das várias camadas instrumentais, fazendo a gente procurar desesperadamente por algum sentido. Os arranjos trágicos de metais em “Hoje Não” contribuem com o tom dramático do disco, na tentativa de pintar a desordem dentro de Sara. Por fim, as canções de ninar são a linguagem que Sara usa para compor “Volta”. Uma nova forma de voltar a outros tempos, mas com o cuidado de não transformar a canção infantil em uma trilha de terror.

Novo momento na obra de Sara (Não Tem Nome), A Situação traz uma observação atenta da realidade, além de expandir e encorpar possibilidades sonoras. Não é apenas uma demonstração de como passar pelo teste do segundo disco, mas um interessante panorama sócio-emocional-existencialista do que foram os últimos sete anos. Tudo isso feito por uma artista que, apesar de não ter nome, interpreta e define o mundo por meio uma lente bastante sensível e, sobretudo, autoral.

(A Situação em uma faixa: “Volta”)

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Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique