Resenhas

Tony Allen – Film Of Life

Décimo disco do mitológico baterista nigeriano une modernidade e tradição

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Ano: 2014
Selo: Jazz Village
# Faixas: 10
Estilos: Afrobeat, Funk, Jazz
Duração: 68:55min
Nota: 3.5
Produção: Vincent Taeger, Vincent Taurelle

É bem verdade que houve um hype em torno do Afrobeat nos últimos anos da década de 2000. Artistas como Damon Albarn e bandas como Dirty Projectors e Vampire Weekend, entre outras, surgiram com influências do estilo criado na década de 1960 pelo cantor, compositor e guitarrista nigeriano Fela Kuti. Em pouco tempo ele estaria à frente de uma grande banda multiinstrumental chamada Africa 70, na qual Tony Allen ocupava o posto de baterista. O Afrobeat caracterizou-se por ser uma mistureba abençoada de sons contemporâneos surgidos no continente, como o Highlife, forma bastante peculiar de tocar guitarra, acrescido de batidas rítmicas de várias procedências, além de generosas porções de Funk americano do início dos anos 1970, principalmente levado adiante por James Brown. O Godfather Of Soul, inclusive, era uma das mais importantes e definitivas influências do próprio Fela enquanto homem de palco.

Com o passar do tempo, Tony Allen obteve tanto destaque quando o próprio líder do Africa 70. Dono de um estilo próprio e marcante, muita gente o define como igualmente responsável pela criação do estilo, talvez mais que o próprio Fela, cabendo a Allen as atribuições materiais da coisa, como o desenvolvimento da batida, das ambiências sonoras, enfim, da própria execução do som. Apesar da morte de Fela em 1997, Tony manteve-se na ativa e Film Of Life é seu décimo disco de material original. A grande característica do Afrobeat – as canções grandes, quase instrumentais e celebratórias – está preservada ao longo do percurso musical. A abertura com a hipnótica Moving On dá conta do que está por vir, seja nas guitarras elípticas, nos baixos que se dobram sobre a bateria leve e sinuosa que Allen conduz com habilidade atemporal. Os metais e vocais também surgem com timbres inesperados e instigantes, com destaque entre a voz do próprio Tony e um admirável coral feminino. Boat Journey já é, literalmente, outra onda, com a propulsão rítmica vindo aos poucos e de todos os lados, com um auxílio luxuoso de teclados aqui e ali, misturando-se à massa sônica e consistente urdida pela banda. Vocais canto-falados também estão presentes.

Tiger’s Skip conta com a participação do próprio Damon Albarn e traz escaletas e instrumentos estranhos ao cardápio de Allen, sem maiores traumas, acrescentando novas visões sobre o todo. Ewa é um movimento em direção às sonoridades africanas contemporâneas, híbridas, que são o próprio elemento identitário do Afrobeat. Teclados e efeitos imitando sirenes dão o tom urbano necessário ao todo. Afro Kung-Fu Beat tem andamento semelhante aos clássicos das velhas trilhas sonoras de filmes negros dos anos 1970, a Blaxploitation, com instrumental cinemático e teclados melódicos que tão a tonalidade que aproxima Oriente e África. Koko Dance tem uma levada celebratória e mais rural, plácida. Go Back é outra canção com a participação de Damon Albarn, talvez a que seja menos imersa nas tradições da música contemporânea africana. O resultado parece alguma faixa do álbum que Albarn gravou sob o nome The Good, The Bad And The Queen.

Ire Omo é totalmente funky, cheia de metais urgentes, corais nervosos a cargo de Adunni e Nefertiti e andamento que vai serpenteando pelo piso da pista de dança. É tradicional e moderníssima em doses iguais. African Man é outra maravilha dançante em ambiência cinematográfica, que vai deixando que os ruídos da urbe vão entrando aos poucos na gravação, unindo contemplação do ir e vir dos carros e pessoas bem como da própria trilha que traçamos pelas ruas da cidade. O fechamento surge com Tony Wood e a participação do cantor nigeriano Kuku, num híbrido de Afrobeat com andamento de Reggae e vocais ancestrais que conduzem este pequeno e controlado choque entre presente, passado e futuro.

Tony Allen é um discreto e marcante patrimônio musical do século 20, que permanece ativo e produtivo. Vale a pena conhecer seu trabalho mais antigo, mas tendo a certeza que ele continua com a verve necessária para manter-se relevante por um bom tempo. Conheça.

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BOM PARA QUEM OUVE: Fela Kuti, Bixiga 70, Vampire Weekend
ARTISTA: Tony Allen
MARCADORES: Afrobeat, Funk, Jazz

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.