Já imaginou aprender a tocar violão com o Guitar Hero 2? Esse meio nada ortodoxo de “aprendizado” talvez ajude em algumas noções de ritmo, mas certamente não vai te ensinar a fazer acordes ou adquirir técnicas mais avançadas. Apesar disso, a lição de um videogame foi o ponto de partida para que a jovem Yasmin Williams manuseasse e explorasse seu violão de forma menos convencional. Ela usa o instrumento em seu colo, virado para cima, ao estilo do Lap Steel, a guitarra havaiana. No caso de Yasmin, ela conseguiu transferir algumas das habilidades do jogo para a vida real, principalmente a parte rítmica
E por falar em ritmo, Urban Driftwood, segunda obra da artista, é um perfeito exemplo de como ele pode ser explorado de forma magnífica a partir de um violão. Além de usar cordas, acordes e dedilhados, ela se baseia em tappings: técnica que literalmente explora o poder percussivo do violão, “martelando-o” como um piano. Ela ainda bate no corpo do violão e toca Kalimba, instrumento de percussão original do Zimbábue. Tudo isso enquanto pressiona as cordas do violão, ao melhor estilo de mestres do chamado fingerstyle – como Andy Mckee, cuja performance de “Drifting” chegou a viralizar em meados dos anos 2000.
Mas Yasmin não faz tudo sozinha. Ela traz para o caldo os músicos Taryn Wood, que toca violoncelo na belíssima “Adrift”, e Amadou Kouyate, responsável pelo djembê na faixa-título. As contribuições refletem a habilidade do repertório de, a partir de minimalismo, ecoar diferentes referências, da música clássica europeia à energia dos ritmos africanos.
Se já é impressionante pensar em uma música tão rica criada com tão pouco, imagina ainda contar uma história em 10 faixas sem o uso de uma palavra sequer. Composto durante a pandemia de COVID-19 e todos os movimentos do Black Lives Matter em 2020, o projeto constrói um arco narrativo que reflete esse período – navegando desde o sentimento de estar à deriva (“Adrift”) até a chegada ao lar (ou um novo lar, em “After de Storm”). A história é sutil e aberta a inúmeras interpretações. E talvez você seja encorajado a trazer as suas e criar um novo significado, um que seja só seu.
Pervertendo a forma de se criar música nos padrões tradicionais, Yasmin Williams consegue um resultado encantador, que consegue surpreender e ao mesmo tempo agradar justamente por sua familiaridade. Há aqui o Folk, o cancioneiro tradicional americano e europeu, além de traços aqui e ali de influência da música africana, com um encaixe original e cativante. Pode ser que Urban Driftwood seja o que falta para encorajar antigos jogadores de Guitar Hero a se dedicar ao violão. Quem sabe não é um ótimo ponto de partida como foi para Yasmin, não é mesmo?
(Urban Driftwood em uma faixa: “After The Storm”)