Resenhas

Tindersticks – The Waiting Room

Novo álbum do grupo inglês é trilha sonora classuda para a melancolia do nosso tempo

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Ano: 2016
Selo: City Slang
# Faixas: 11
Estilos: Chamber Pop, Rock Alternativo
Duração: 48:01
Nota: 4.0
Produção: Stuart Staples

Já se vão 25 anos e dez álbuns na carreira de Tindersticks. O sexteto de Nottingham, Inglaterra, jamais saiu de sua linha mestra, que é o relato da melancolia urbana moderna, esse sentimento opressor, permanente, cada vez mais presente nas nossas vidas. Com instrumentos que se chocam contra a contemporaneidade Electro-Indie-Pop, entre eles, percussões acústicas, sopros, cordas, metais usando terno e gravata sem muita noção do que fazem por aqui, Stuart Staples, cérebro pensante, promove suas incursões por estes recônditos da alma humana, quando esta exibe colorações cinzentas. É curioso, uma vez que Tindersticks surgiu em meio ao boom do Britpop, mas era dessas formações adjacentes, não identificadas com sua época, porém, inseridas neste contexto, neste caso, a (re)valorização das sonoridades britânicas a partir dos anos 1960. O que poucos notaram é que essa crônica da melancolia já era terreno explorado por gente como Scott Walker, em quem David Bowie encontrou referência para criar sua própria maneira de cantar e fazer música. A dramaticidade dark está na carreira de Walker e revestiu o canto profundo de Bowie por toda sua vida.

Tindersticks é herdeiro direto desta tradição. Podemos dizer que Pulp e Divine Comedy (já extinta, infelizmente) são bandas que levam a capacidade de falar de tristeza com cinismo e ironia, enfiando no balaio de temas, a crítica da própria sociedade inglesa, seus valores e conservadorismo. O que é Rock mais clássico nas outras formações, converte-se em sonoridade cinematográfica preto e branca na paleta de cores de Staples. Não bastasse essa opção, os climas das faixas são absolutamente noturnos, passivos, mostrando gente que não vai conseguir se reerguer tão cedo, cujo último recurso é jogar palavras ao vento. A música do grupo é como a sonorização dessa rebordosa total, desse imenso e terrível bode, imposto a nós várias vezes, por várias pessoas e circunstâncias. Talvez por isso, por essa democracia da melancolia, que a banda seja tão querida. Este The Waiting Room vai confortar velhos fãs e converter novos, certeza.

Os instrumentais continuam perfeitamente gravados, arranjados e pensados para causar a sensação de anacronismo no ouvinte. É como se recorrêssemos a “gente mais velha” para falar da nossa dor. O instrumental sutil de Follow Me, versão da banda para o tema de abertura do filme Mutiny Of The Bounty, de 1962. A música de Tindersticks tem, de fato, este apelo cinematográfico, sendo muito próxima das trilhas sonoras sessentistas de filmes como este. A canção aqui só serve de introdução ao pequeno quarto com papéis de parede que é o álbum. Second Chance Man vem logo em seguida, com bateria de escovinha, instrumental esparso, com guitarras e metais sutilíssimos, servindo como pano de fundo para as lamúrias soltas na janela, em meio a fumaça de cigarro e bebida barata. Were We Once Lovers chega para provar que é possível manter-se fiel às origens sem abrir mão da vontade de mudanças. Com uma levada proto-dançante, calcada no belo trabalho de baixo, a canção adentra por questionamentos típicos daquela pessoa que já está confundindo passado, presente e futuro. Há uma certa aura Roxy Music do fim dos anos 1970 em algum lugar próximo.

A grande, enorme, impressionante surpresa do álbum vem com Help Yourself, que nada mais é do que uma canção imersa no oceano de águas quentes do Afrobeat, cheia de guitarras serpenteando, metais proeminentes, bateria de montanha russa e uma classe absurda. Tristeza e banzo numa pista de dança da Nigéria de 1974. Tudo volta ao normal com a faixa seguinte, a madrugadora Hey, Lucinda, conduzida por instrumental que emula timbres de caixinha de música e pianinho de criança como forma de adocicar a história do casal que já está de saco cheio um do outro por conta da rotina. This Fear Of Emptyness é um belo e chuvoso instrumental, com guitarras e teclados que surgem como gotas d’água. How He Entered já alivia um pouco da pressão e exibe algum otimismo, entretanto, Staples surge falando em meio à melodia erguida pela banda, causando sensação de desencontro, bebedeira e/ou desespero. A arrepiante faixa-título é única e praticamente executada por voz, servindo guitarra e teclados como meros panos de fundo. Se não fosse outra faixa instrumental, Planting Holes teria algo de Pop de FM de outros tempos, principalmente pelo uso do piano elétrico como fio condutor da bela melodia.

We Are Dreamers! e Like Only Lovers Do são as duas magistrais faixas de encerramento. A segunda tem débito com o melhor da ourivesaria inglesa no terreno de baladas, ainda que deva seu DNA às belas canções do Pop/Soul negro do início dos anos 1970. Esse conjunto de faixas instrumentais, cantadas, variadas e versando sobre a danação humana no terreno sentimental e a saudade de tudo o que ainda não se viu, é a declaração de existência da banda, transitando por seu terreno, exibindo seus atrativos, dando motivos de sobra para a audição do novo trabalho. Recomendamos fortemente.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.