Resenhas

Kanye West – ye

Oitavo disco do rapper deixa megalomania de lado e traz temas pessoais e sombrios

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Ano: 2018
Selo: G.O.O.D. Music
# Faixas: 7
Estilos: Hip Hop, Rap
Duração: 23'
Nota: 4.0

Se em 2016 um dos maiores provocadores do Hip-Hop mandava versos como “I love you like Kanye loves Kanye”, hoje, a megalomania sai de cena e abre espaço para pensamentos sombrios. Suicidas, na verdade: “And I think about killing myself/And I love myself way more than I love you, so…”. Dois anos se passaram, dezenas de tuítes publicados sobre seu amor ao presidente Donald Trump e até uma turnê cancelada por problemas mentais. We miss the old Kanye? Talvez sim, mas, sem dúvida, essa versão atual é transparente e até uma das mais corajosas dele.

Em The Life of Pablo a megalomania era mote de Kanye West, já em ye, seu pequeno filho de apenas sete faixas, ele prefere deixar a polêmica por conta das declarações e se abre para o mundo todo, sem se preocupar em baixar a guarda. Nos primeiros versos da primeira música (I Thought About Killing You), é possível ouvir o rapper mostrar o seu lado mais sombrio em um monólogo poderoso. Enquanto as palavras de desenrolam, ele usa um efeito de mudança de voz que simula a natureza de uma conversa bipolar que está tendo consigo mesmo.

Yikes acelera levemente o ritmo do trabalho. Yeezy quer falar da relação que teve (tem?) com o vício e as consequências dos opióides. Ele ainda evoca Prince e Michael Jackson — ambos morreram de overdose acidental por remédio — como mensageiros do caos. “I think Prince and Mike was tryna warn me/They know I got demons all on me”, Kanye sonha com os imortais porque quer ser um deles. No fim da faixa, ele assume que o título de seu álbum não tem nada de cômico e que sua bipolaridade, que supostamente seria uma imperfeição, foi transformada em seu maior super-poder.

Em tom irônico, o rapper começa All Mine falando sobre sexo e infidelidade. Nela, Tristan Thompson é citado por trair sua cunhada, Khloe Kardashian, durante a gravidez. Além dele, a pitada de polêmica também fica por conta da atriz pornô Stormy Daniels, que recentemente revelou ter tido um caso com o presidente Donald Trump. O que podemos deduzir de um Kanye que fala de infidelidade?

Woudn’t Leave é a faixa das colaborações: Jeremih, PARTYNEXTDOOR e Ty Dolla $ign constroem juntos uma balada minimalista em que o Soul cerceia a maior polêmica na época pré-lançamento: a pífia afirmação de que a escravidão seria uma escolha. Esse episódio, apesar de infame, serviu para que Kanye refizesse o álbum do zero. ye focaria na política, mas depois de tudo, a melhor alternativa foi se abrir para o cosmos: “With what the universe was giving me, I wanted something that matched that energy.”

No Mistakes chega para reforçar o ar melancólico no disco por meio de um sample de Slick Rick (Hey Young World). Kid Cudi e Charlie Wilson somam na tarefa de construir essa atmosfera. E por falar em atmosfera, Ghost Town parece a escolha natural como faixa seguinte. Apesar de ser um dos pontos altos do álbum é aqui em que menos se sente a presença de Kanye. Seu pequeno verso é quase esmagado pelos colaboradores: John Legend, a rapper 070 Shake, guitarras e Kid Cudi em dobradinha. A ausência de Yeezy é sintomática em um trabalho que parece vir resgatar o artista de sua megalomania.

Violent Crimes sela a empreitada vulnerável em que Kanye se aventura. Nela, o rapper fala sobre sua relação com as mulheres, expectativas para suas filhas e como o mundo lá fora, dominado por homens, é selvagem. Isso tudo pode ter vindo à tona depois de seu casamento estar mais maduro e das novas preocupações com as filhas — inclusive, Jay-Z, outro rapper veterano, abordou temas parecidos em 4:44 (2017). A música também retoma a abertura do disco, em que ele revela ter pensamentos homicidas e se coloca como os mesmos selvagens de que canta — de certa forma, é como se ele quisesse proteger a família dele mesmo.

ye pode não ser o maior ou melhor, mas, definitivamente, é o álbum mais Kanye West de todos. Em suma, é uma antítese de The Life of Pablo: além de ser mais longo, o álbum de 2016 veio como uma conversa do rapper com o mundo, mostrando um leque de novos colaboradores, pensando no futuro da música e provando suas grandes habilidades como produtor. Já ye é redondo, conciso e, principalmente, um trabalho em que o personagem “artista” fica de escanteio para deixar à mostra a fragilidade de um ser humano na alcunha de rapper.

(ye em uma faixa: I Thought About Killing You)

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BOM PARA QUEM OUVE: Jay Z, Kid Cudi, Pusha T
ARTISTA: Kanye West
MARCADORES: Hip Hop, Ouça, Rap