Um dos aspectos mais interessantes da arte é a recriação. O processo de compor determinados universos sobre diferentes olhares pode ressignificar desde pequenos trechos, direcionando com mais precisão para o objetivo desejado, até sua totalidade, alterando completamente seu sentido. Na música, isso pode ganhar a alcunha de um cover, o que acaba perdendo um pouco sentido original da recriação. Neste sentido, o projeto Música de Selvagem resolveu levar essa noção às últimas consequências, propondo um registro inspirado pelo anos que seus integrantes residiram na Europa e composto durante uma residência artística sediada na Associação Cultural Santa Cecília, na capital paulista.
VOLUME ÚNICO é uma curta coletânea de composições retrabalhadas e ressignificados com muito experimentalismo e grandiosidade. Retiradas de seus contextos, as canções ganham roupagens novas, ao mesmo tempo que criam uma unidade estética e sonora, as aproximando como um conjunto e também impulsionando os horizontes criativos de Música de Selvagem, já que este é o primeiro trabalho com canções não exclusivamente instrumentais. Dessa forma, temos um grande híbrido de referências, a de seus compositores originais e o toque torto dos integrantes do projeto, e a competência de orquestrar elementos tanto distintos em uma linguagem direta e coesa é certamente um das qualidades mais notáveis do disco.
Morto, canção originalmente lançada por O Terno no disco 66, conta com a participação do frontman Tim Bernardes, que conduz a melodia de forma teatral e intensa, junto de um arranjo pesado, caótico e fúnebre. Dois Blocos une duas faixas do mais recente e elogiado disco de Luiza Lian, Oyá, costurando texturas quentes com o bem acabado arranjo de metais enquanto a cantora bota para fora de suas entranhas as palavras certeiras para atingir o ouvinte.
Assovio, retirada do disco solo Projeções, de Pedro Pastoriz (Mustache e os Apaches) é a mais suave do disco, em tons de um Jazz noir tranquilo e que esquenta o sangue com as linhas de sopro. A única inédita do trabalho é Música, uma mistura da grandiosidade do Art Rock canadense com a intensidade do Avant-Garde, mostrando o talento dos integrantes também nas composições originais.
VOLUME ÚNICO pode ser uma obra curta, mas certamente marcará o ouvinte que procura por discos desafiadores e instigantes. Uma boa pedida para quem prefere deixar as composições guiarem seus respectivos rumos, ao invés de ficar destrinchando e tentando descobrir o que faz destas músicas tão misteriosas e potentes. Praticamente um mestrado sobre a música contemporânea.
(VOLUME ÚNICO em uma faixa: Morto)