Resenhas

Jair Naves – E Você Se Sente…

Primeiro álbum solo do ex-Ludovic esbanja lirismo e sinceridade em um trabalho intenso marcado por desabafos em sua voz grave

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Ano: 2012
Selo: Travolta Discos e Popfuzz Records
# Faixas: 10
Estilos: Rock Alternativo
Duração: 51:56
Nota: 4.0
Produção: Jair Naves

“Meu peito acolhe um berro contido, a que eu não suportaria dar vazão” é um dos versos que me deparo quando escuto o primeiro LP do ex-Ludovic Jair Naves. Talvez ele explique o sentido pessoal do cantor, de voz grave e acordes em escalas menos usuais, compor E Você Se Sente Numa Cela Escura, Planejando A Sua Fuga, Cavando O Chão Com As Próprias Unhas. Cantando sobre os seus temores, desilusões e sonhos, Jair procura dar sentido a todo o fluxo de pensamentos que percorrem o nosso subconsciente.

O disco é teatral e Jair é o protagonista. No entanto, o cantor funciona como um anti-herói que declama as suas histórias à beira de uma mesa de bar, o palco de todas as verdades e reflexões. Um quê meio Brega permeia o disco, esse folclore tipicamente brasileiro em que as palavras valem mais do que qualquer outra expressão, pois são verdadeiras. A relação entre ouvinte e Jair é baseada em um divã, utilizado pelo cantor, que permite que todos os berros não sejam mais contidos.

No Fim Da Ladeira, Entre Vielas Tortuosas aborda a bebida e seus problemas com um belo acordeão misturado a uma guitarra delineada nos minímos detalhes. “Vem até mim um senhor de fala lenta, diz que bebendo assim eu não chego aos quarenta”. O amor é o grande problema dos excessos etílicos. O ritmo lento e circular da música combinam com os versos “me diz quando parar, onde é que eu vou parar?”. “Convencido que ali eu tinha encontrado a pessoa certa, agora doi passar ao lado daquele lugar” é simplesmente de cortar o coração de qualquer um.

A morte e o medo ao seu redor são abordados de diferentes formas mas são um tema usual na obra. Na bela Maria Lúcia, Santa Cecília e Eu, Naves demonstra o temor de perder as pessoas mais amadas ao mesmo tempo que o envelhecimento se torna um caminho sem volta. “Pois eu te digo que o meu maior temor é quando minha mãe se for, ela vá intranquila sem a sensação de partir com a missão cumprida”, o solo logo em seguida corta o ar, e traz o medo das incertezas do mundo.

Entretanto, vivemos em um mundo carregado de violência e desespero, e Pronto Pra Morrer( O Poder de Uma Mentira Dita Mil Vezes) é o reflexo das consequências dos problemas contemporâneos. A canção incia o disco e é a mais intensa de todas, com guitarras distorcidas e raiva sendo proferida em cada verso. “Desde que na minha casa entrou um estranho e encostou uma arma no meu crânio e eu nada pude fazer”. O que fazer quando nossa vida, tão vulnerável, está na mão dos outros? A única coisa que se sabe é que “(eu) não estou pronto pra morrer”.

Vida e morte caminham juntas, e Vida com V Maísculo, Vida com V Minúsculo tenta justificar o desespero do medo através do desapego a tudo. “Eu não vejo em mim medo e não existe em mim nenhum medo” talvez reflita na bebida e no estilo de vida sem nenhuma preocupação. Covil de Cobras é a resposta para o mundo frio e cheio de pessoas falsas, “que seja só eu contra mil”, expressa o desejo de Jair ir contra o sistema. O final instrumental da música é incrivelmente belo e tem na bateria tocada a sua maior valência.

Carmem, Todos Falam Por Você é a melhor música do disco, com o seu baixo introdutório devagar e sua levada crescente. O amor na música é sincero e vem de uma mulher que transformou Jair de forma inesquecível. No entanto, ele descobre um fato que mudaria este sentimento para sempre: ”Eu soube que você engravidou de um estrangeiro, sem ressentimentos”. Para depois ironicamente o cantor gritar o mais alto possível: “Nada contra você!”.

“A meu ver seria um grande castigo se eu não voltasse a ter você, a meu ver é só o destino”, “as pessoas vem e vão, hoje eu tenho essa convicção” são versos que dificilmente sairão da cabeça quando se escuta a belíssima A Meu Ver. Dividida em violão e voz, para depois entrar a bateria, uma guitarra dedilhada e um verso declamatório “me abraça como eu te abraçaria no pior dos seus dias”. Exemplifica o amor, sentimento que tem que sobreviver independente das circunstâncias.

Jair Naves convida o ouvinte a uma rodada intensa de fluxos de pensamentos, abordando diversos temas, mas que sempre soam sinceros no jeito que o seu lirismo é demonstrado. Dificilmente alguém não irá se identificar com seus versos, tão mundanos e tão necessários para que aquele berro preso na garganta finalmente saia. Em seu primeiro LP solo, o cantor demonstra uma ótima mistura entre instrumentação e declamação, e agrada muito.

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BOM PARA QUEM OUVE: Wander Wildner, Pélico, 5 a Seco
ARTISTA: Jair Naves
MARCADORES: Rock Alternativo

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.