Motivação é sempre uma questão fundamental relacionada a qualquer ofício. O que esperar quando se está há mais 30 de anos fazendo a mesma coisa? Como se renovar sem parecer forçado, como continuar amando o seu trabalho? Em seu 15º disco junto ao seu inseparável grupo, Nick Cave and The Bad Seeds traz uma obra densa, atmosférica e à altura de sua carreira em Push The Sky Away.
Nick parece querer dosar mais o seu tempo, voz e clima após a sua aventura mais roqueira e suja com a banda Grinderman, feita com integrantes do Bad Seeds. Vemos aqui um trabalho mais orquestrado, cheio de acordes construídos em cordas mais elaboradas como violinos e o violoncelos. Sua voz, carregada de teatralidade, contracena de forma exemplar em músicas feitas como trilha sonoras mundanas, adaptáveis a vida de quem escuta música como uma pessoa comum. Lindo do começo ao fim, Push The Sky Away nos faz acreditar em letras oníricas, como o próprio Cave ousa dizer em diversos trechos.
Jubilee Street, single e carro-chefe do disco, aborda a história de uma prostituta morta na rua de mesmo nome. Como em um filme, somos introduzidos ao personagem principal para depois a trama se encerrar de forma trágica, sem deixar cantor e ouvinte tocados. Nick é um narrador onisciente na história e despeja todo o seu amor: “And here I come up the hill, I’m pushing my wheel of love /I got love in my tummy and a tiny little pain”. Uma bela linha de guitarra, auxiliada por uma percussão espaçada fazem desta a melhor música do disco. No entanto, diferentemente de álbuns que se resumem a um single, temos aqui excelentes canções que emocionam e fazem Nick ecoar uma voz do além que lembra os momentos derradeiros do grande Johnny Cash.
Vemos Cave conversando com o ouvinte em canções como Finishing Jubilee Street, em que o mesmo conta o final de seu processo de composição e como se sentiu conectado com a história: “And I flew into a frenzy searching high and low /Because in my dream the girl was very young”. Transborda suspense na densa Water’s Edge, uma canção assustadora, rasgada e profunda “But you grow old and you grow cold”. Na bela Mermaids, a sinceridade percorre as cordas vocais desse quase senhor de 55 anos. “I believe in God/I believe in mermaids too /I believe in 72 virgins on a chain (why not, why not)”, diz este irônico e por que não, verdadeiro cantor.
Digo isso pois é impossível não imaginar-se na época dos grande cantores americanos da década de 1950. O poder de sua voz o torna um poeta no palco, transformando pensamentos e poemas em canções que não se esquecem da vida contemporânea. Quer um nome melhor para um música do que Higgs Boson Blues, em que Cave diz estar dirigindo rumo a Genebra, cidade deste experimento que descobriu a “partícula de Deus”, última peça de um quebra-cabeça existencial científico. Assim como os cientistas se vêem sem quase nada para provar, deixando-os perplexos, Nick também parece estar vendo o mundo como um espectador estático, cético e talvez confuso. O Blues ainda brinca com celebridades da música Pop atual em cenários pitorescos como Hannah Montana em uma Savana, e Miley Cirus morta em uma piscina no Lago Toluca.
A atmosfera não chega a sair do limiar dos sonhos em nenhum momento, criando somente diferentes texturas sonoras para o que parece ser uma epifania sonora de Nick e os seus Bad Seeds. Um turbilhão de emoções acaba sendo o resultado de uma perfeita sintonia entre voz e banda, transformando o disco na trilha sonora perfeita para um momento reflexivo, em qualquer lugar ou situação. Se você nunca teve a chance de chegar perto de um disco de Cave, agora é certamente o timming certo para mergulhar em um grupo que, no auge de seus 30 anos de carreira, parece se renovar com uma motivação ímpar na criação de pequenas belezas sonoras.