Resenhas

Anoushka Shankar – Chapter I: Forever, For Now

Conceitual e nostálgico, novo trabalho de uma das sitaristas mais importantes da atualidade é íntimo e de execução brilhante

Loading

Ano: 2023
Selo: LEITER
# Faixas: 4
Estilos: kshatriya sangeet, carnatic, ambient, música clássica
Duração: 23'
Produção: Arooj Aftab

Aos 42 anos de idade, Anoushka Shankar é uma das maiores expoentes da música indiana, além de uma sitarista de mão cheia. Ela aprendeu a tocar o instrumento desde a infância com outra lenda da música indiana, Ravi Shankar, seu pai. No entanto, Anoushka não se limitou à abordagem tradicional do kshatriya sangeet, termo guarda-chuva referente à música clássica do norte da Índia que data desde o século 12. Ao longo de sua carreira como instrumentista, produtora e compositora, ela flertou com a música eletrônica em discos como Rise (2005) e Land Of Gold (2016), o flamenco espanhol em Traveller (2011) e até produziu trilhas sonoras para filmes de Bollywood como Avijatrik (The Wanderlust Of Apu) (2021).

Recentemente, ela lançou primeiro capítulo de uma série de três EPs, previstos para os próximos meses, e a ideia é trabalhar com um produtor diferente em cada mini-álbum, começando pela cantora paquistanesa Arooj Aftab. Em entrevista à gravadora alemã LEITER, Shankar explica que queria gravar discos que expressassem momentos presentes, em oposição à sua interpretação futura de tais ocorridos, uma mudança em relação à ideia de trabalhar por muito tempo num mesmo projeto. O restante do título, “Forever, For Now” ou “Para sempre, por enquanto” expressa a ideia de saborear cada instante em toda a sua magnitude, enquanto ele dure: “Na verdade, todo este capítulo trata desse sentimento, de estar completamente na plenitude e na transitoriedade de um único momento, chegando ao para sempre – por enquanto”, definiu a sitarista.

Seu último disco, gravado ao vivo com Jules Buckley, Manu Delago e a Metropole Orkest da Holanda em 2022, foi um evento em memória dos 10 anos do trágico estupro coletivo ocorrido em Delhi contra a jovem Jyoti Singh Pandey, em 2012. Em comparação com esse projeto, extremamente político e com a intenção clara de abordar problemas sociais por meio da música, esse último lançamento de Shankar tem tom mais intimista e pessoal, evocando memórias de infância e situações familiares vividas pela artista, como ela mesma disse à LEITER.

A primeira faixa do disco, “Daydreaming”, tem participação do compositor e músico alemão Nils Frahm. A artista conta que se trata de uma releitura de uma canção de ninar carnatic – termo referente à música clássica do sul da Índia – que sua mãe e avó cantavam para ela quando criança. As suaves e vibrantes melodias do sitar, acompanhadas das doces notas de piano criam uma atmosfera de tranquilidade e serenidade. Isso nos leva à segunda faixa chamada “Stolen Moments”, em que a ambientação reverberada pelo sitar toma conta de tudo e é alimentada pelos sons de um acordeom que ecoam ao fundo.

A terceira e mais longa composições do disco, “What Will We Remember?” parece fazer a transição entre as duas faixas iniciais, mais calmas e suaves, e a segunda metade do disco em que Shankar revela seu profundo talento e conexão com o sitar. A faixa é inspirada numa antiga canção hindustani chamada “Madhuvanti”, sob a qual a artista se debruçou para criar sua própria versão da antiga canção. Os arranjos se tornam progressivamente frenéticos conforme o desenrolar das quatro faixas e essa crescente parece se confirmar no desenvolvimento do clímax que culmina na última faixa, “Sleeping Flowers (Awaken Every Spring)”. Aqui, Shankar revela toda sua destreza enquanto instrumentista, e o que ouvimos são seus dedos flutuando sobre as cordas, criando uma atmosfera de transe enérgico.

Em termos de conteúdo do disco em si, não há nada de exatamente novo, tanto em relação à própria carreira de Shankar quanto às origens da música que ela toca, ainda que existam incursões não convencionais para o gênero por meio de notas de piano tocadas por Nils Frahm e as participações de Gal Maestro no contrabaixo e Magda Giannikou no acordeom. É evidente que não há obrigação alguma de trazer qualquer tipo de inovação para um instrumento clássico, mas esse primeiro capítulo mostra um lado estático na carreira de Shankar, especialmente pela semelhança que carrega com lançamentos anteriores, como Anourag (2000) ou seu primeiro disco Anoushka (1998). Há certo apego ou retorno nostálgico à tradição dos ragas – modos melódicos de improviso na música indiana – que fizeram parte do começo da sua carreira. Isso não muda o fato de que a execução de Anoushka Shankar no sitar é brilhante, como sempre. Agora nos resta esperar os próximos capítulos

(Chapter I: Forever, For Now em uma faixa: “Sleeping Flowers (Awaken Every Spring)”)

Loading

Autor: