Resenhas

Brittany Howard – What Now

Em seu segundo disco solo, cantora vai do soul ao rock com naturalidade e soa livre, potente e ainda mais contagiante

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Ano: 2024
Selo: Island Records
# Faixas: 12
Estilos: Indie, Indie Rock, R&B
Duração: 38'
Produção: Brittany Howard e Shawn Everett

Volte uns 10 anos no tempo e conte às pessoas que o maior legado da banda Alabama Shakes não são dois discos maravilhosos, ou hits do calibre de “This Feeling”, mas a própria Brittany Howard. Desconfio que ninguém se surpreenderia. Isso porque a vocalista sempre chamou ainda mais atenção do que a excelência do grupo e trouxe consigo o mesmo nível de qualidade – só que aliado à maturidade – ao seu trabalho solo, com o qual apresenta agora o segundo álbum, What Now.

Muito aconteceu desde que a banda lançou Boys & Girls em 2012, seja no mundo, na cena musical e, é claro, na vida da artista – antes uma jovenzinha e, hoje, uma mulher de 35 anos. Há uma diferença na lógica com que ela trabalha hoje que é nítida quando comparamos a maneira como ela cria suas músicas em relação ao passado. Naquela época, um bom disco era uma coleção de boas canções. Em 2024, com tantas transformações nas plataformas de streaming e a pressão para artistas lançarem singles a todo momento, Brittany é uma das que entendem que um álbum de destaque é formado não necessariamente pela qualidade de suas faixas, mas pela aura conceitual-estética que se apresenta como um todo.

Essa ideia já definiu um pouco de seu trabalho anterior, Jaime (2019), mas parece ser o guia supremo ao longo de todo What Now, um disco que começa no silêncio e cresce aos poucos, sem nunca se intimidar de algum minimalismo. Se o primeiro era uma explosão sonora carismática, o novo fascina por encontrar potência em um som mais baixo, quase introvertido, que parece ter desencanado de explorar a força do vocal da cantora.

O que não mudou é a intenção de investigar a musicalidade estadunidense das últimas décadas, entre o rock, o soul e o R&B, mas também gospel e até folk e jazz. É enorme a sua reverência pelos sons que formaram seu repertório como pessoa e como artista, e o álbum todo parece sintonizar alguma estação de rádio com músicas atemporais que foram contagiadas com o espírito indie dos nossos dias e sua liberdade criativa.

Não é um disco de música experimental, mas é uma obra que se entretém no próprio experimentalismo, uma ambientação, repito, muito diferente das canções com as quais ela ficou conhecida na década passada. As faixas se misturam umas às outras, como capítulos de um livro que atendem suas devidas funções no arco narrativo. Ao longo da audição, o disco parece ter três ápices distintos: o primeiro vem na explosiva faixa-título, outro é o clima dançante da sequência “Another Day” e “Prove It To You” e, por fim, a dolorida e quase silenciosa “Samson”. Ao redor dessas, as músicas constroem climas saudosos e melodias agradáveis guiadas pela versão discreta do vozeirão da cantora.

Da plenitude de “To Be Still” à evocação de Prince em “Power to Undo”, passando pela sublime conclusão da obra em “Every Color in Blue”, What Now é um disco que sabe tensionar e relaxar, surpreender e entregar algo familiar – entre as faixas e até mesmo dentro delas. Não há qualquer hit óbvio, dá impressão de ser uma obra feita para quem acompanhou Brittany ao longo dos anos não apenas na linha do tempo de sua carreira, mas em sua maturidade como artista.

Talvez seja a artista em sua melhor forma, com composições que sabem ressoar em nossos corpos de maneira ainda mais potente do que antes – volto aqui a “Samson” e a interpretação cansada de sua voz para cantar uma amargura, acompanhada de um trompete que dialoga no mesmo nível de energia. Ainda que em músicas tão diferentes, somos lembrados em alguns momentos daquela sensação de escutar Alabama Shakes pela primeira vez e ficar plenamente deslumbrados com sua potência. Brittany Howard já era superior à sua banda, e agora parece ainda maior.

(What Now em uma faixa: “Red Flags”)

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.