Resenhas

Caroline Polachek – Desire, I Want To Turn Into You

Com muito pop e toques de música eletrônica noventista, novo disco da americana é uma surreal investigação dos desejos

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Ano: 2023
Selo: Perpetual Novice
# Faixas: 12
Estilos: Alt-Pop, Drum n Bass, Synthpop
Duração: 45'
Produção: Caroline Polachek, Danny L Harle, Dan Nigro, Jim-E Stack, Sega Bodega e Ariel Rechtshaid

Atualmente, não basta ser apenas uma cantora talentosa para ser uma diva pop. Em meio a um caos de informações e à temporalidade de hits e trends, uma diva pop precisa criar um mundo próprio, sedutor e que sirva como escape da realidade insana – um exemplo recente foi como Chromatica (2020), de Lady Gaga, serviu de refúgio para os fãs durante a pandemia. Contudo, puxando um pouco para as divas mais “alternativas”, encontramos em Caroline Polachek um universo tão rico e imersivo quanto o de Gaga. Muitas vezes, ela foi associada à PC Music (por conta de sua proximidade com Charli XCX e A.G Cock) ou ao indie do começo da década passada (quando integrou o Chairlift). Mas, quando nos afastamos desse olhar micro, percebemos que o universo de Caroline, gráfico e sonoro, traz uma abordagem quase surrealista dos sentimentos humanos. Além de diva pop alternativa, Caroline é uma artista que reflete a contemporaneidade por meio de uma investigação da música pop.

Desde a época do Chairlift, Caroline já parecia se encantar com diferentes possibilidades dentro desse terreno. Ao lado do produtor Patrick Wimberly, ela explorou os limites do indie psicodélico, pesquisando referências de synthpop e new wave que culminaram em seu disco Something, de 2012. Mesmo com o fim do grupo, Caroline permaneceu ativa em seu constante garimpo musical, lançando registros mais focados no experimentalismo, sob o nome de Ramona Lisa. Após esse período inicial de experimentação, ela parecia corajosa o suficiente para sair de trás dessa alcunha e lançar o primeiro disco com seu nome. Pang foi o vislumbre  inaugural que tivemos da mitologia ao redor de Caroline Polachek – um universo repleto de simbolismo, mas ao mesmo tempo carregado de um elemento fantástico-futurista. Não se tratava apenas de cantar assustadoramente bem: ela conduzia o ouvinte por uma viagem plural e cheia de referências, de new age à ópera. Pang foi, de certa forma, uma pequena janela que captou apenas um relance do mundo de Caroline. Seu segundo disco poderia ter sido, por dedução, uma segunda olhada para aquele mesmo universo. Entretanto,  Desire, I Want To Turn Into You se revelou ser muito mais.

Neste segundo trabalho, Caroline busca compreender as dinâmicas do desejo humano – e as sonoridades de Pang são apenas um ponto de partida para a concretização de uma nova paleta de sons. O aspecto futurista permanece entre as 12 faixas, mas gêneros eletrônicos dos anos 1990 (jungle, drum n bass) também influenciam sua exploração pelos afetos humanos. Se apegando novamente a texturas etéreas, Caroline faz uma representação de como as dinâmicas do desejo são extremamente fluidas e, portanto, parecem cumprir diferentes propósitos. Resoluções que se refletem na variedade sonora e no aspecto heterogêneo do repertório.

O single “Welcome To The Island” abre as cortinas do disco de uma forma épica pop pegajosa, dando a devida importância ao objeto do estudo das dinâmicas do desejo, a própria artista. Mesmo o carro-chefe de divulgação do disco, “Bunny Is A Rider”, faz ainda mais sentido dentro da pluralidade de timbres. “I Believe” acentua o mood pop da virada do milênio em um emocionante hit chiclete dedicado à produtora Sophie, que faleceu há dois anos. As únicas duas participações vêm na ótima “Fly To You” – Grimes e a diva inglesa do sad-trip-pop, Dido –, uma canção que mistura suavidade ao peso ágil do drum n bass. “Butterfly Net” é uma balada típica dos anos 1970, que até poderia destoar do contexto geral do disco, mas que se encaixa ao aproximar o nostálgico do desejo. “Billions” encerra o repertório com recortes de percussões indianas em uma espécie de pop world music menos brega e eurocêntrica.

Com Desire, I Want To Turn Into You, Caroline Polachek mostra que é capaz de saciar nossa curiosidade na mesma medida em que nos deixa paranoicos por respostas. Seja desvendar sonoridades e detalhes do disco ou conceber essa análise do mundo dos desejos, tão bem idealizada por ela. No misto de querer e não-querer, ela nos mostra sua essência, além de uma criatividade ágil e surrealista, que consegue traduzir antagonismos em sons e sensações.

 (Desire, I Want To Turn Into You em uma faixa: “Fly To You” (feat. Grimes and Dido))

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Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique