Resenhas

Daphni – Cherry

Projeto paralelo de Dan Snaith propõe novas relações com as pistas

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Ano: 2022
Selo: Jialong
# Faixas: 13
Estilos: House, Minimal Techno
Duração: 47'
Produção: Dan Snaith

Projetos paralelos são uma ótima forma de artistas explorarem novas perspectivas, sem que destoem da proposta de seus projetos originais. Criar um novo nome para produzir novas músicas é quase um desenvolvimento de personagem – com a diferença que o produtor não está criando algo que só existe em um mundo fictício, mas, sim, uma extensão de sua intuição artística no mundo real. Talvez por conta das facilidades da tecnologia, na música eletrônica esta dinâmica ocorre com mais facilidade. O produtor americano Baths, por exemplo, usa do nome Geotic para pintar paisagens etéreas e de uma escuta mais passiva. Já o canadense Teen Daze possui outro nome para explorar batidas mais intensas e menos ambient, o Pacific Coliseum. Por fim, temos Dan Snaith, o nome por trás de um dos projetos mais ambiciosos da música eletrônica dos anos 2000/2010, o Caribou. Além deste grande nome, Dan também se aventura sob a alcunha de Daphni.

O projeto foi concebido como um território em que Dan poderia explorar, segundo ele, “músicas prontas para a pista de dança”. Não que suas músicas como Caribou fossem desprovidas dessa qualidade, mas a narrativa à qual Daphni serve é exclusivamente pautada para os bailes – e bem menos relacionada ao intimismo. Apesar de um projeto paralelo, Daphni existe há exatos 10 anos, mostrando assim que a necessidade de ter um espaço dedicado a músicas dançantes não é algo que surgiu recentemente para aproveitar algum hype. Dan sempre quis colocar as pessoas para dançar, colecionando singles e discos que mantiveram plenamente a mesma qualidade de Caribou. Como exemplo, é possível citar a música “Julia”, feita em parceria com Owen Pallett e que ressalta as peculiaridades dançantes do minimal techno, ao mesmo tempo em que investe em timbres finos e poderosos de baixos de sintetizador.

10 anos após ser concebido, o projeto persiste e, em seu novo mais novo registro, temos a sensação que Daphne evoluiu na mesma medida que Caribou. Cherry é um trabalho inegavelmente feito para dançar, mas também transmite características que vão além, digamos, do mero prazer. A construção das faixas demonstra a habilidade de Dan para compor arranjos com diversas camadas e que a cada escuta revelam novas possibilidades de análise. É um trabalho que funciona tanto em uma perspectiva macro, entendendo as músicas como algo autônomo e coeso, mas também como a soma de diferentes partes. O que instiga nossa curiosidade para compreender elementos que formam as texturas sonoras. Até mesmo os samples, reeditados e transformados de forma extrema, conseguem nos cutucar de maneira precisa – leve, para não nos incomodar, mas marcante o suficiente.

Cada um dos 14 momentos do disco tem uma aura autêntica e única. A faixa “Arrow”, por exemplo, inaugura esse novo momento de Daphni colocando os acordes típicos do house sustentando vocais pontuais e cadenciados. “Always There” funciona mais como uma colagem que logo nos fisga em meio a uma amálgama lisérgica. “Crimson”, por sua vez, traz aquele sentimento de nostalgia de um tempo desconhecido, alternando entre timbres mais envelhecidos de sintetizadores e a manipulação sonora característica de tecnologias mais recentes. “Mona” tem um movimento mais frenético e cheio de tensão. “Cloudy” é uma ótima pedida para aqueles que esperam um toque mais onírico, tal qual Dan realiza no projeto Caribou. Por fim, “Fly Away” é a típica faixa que encerra o trabalho em seu auge, com vontade de ouvirmos mais.

Cherry é um momento interessante na carreira de Dan Snaith. Um momento em que a divisão de seus projetos parece porosa – o que torna o Daphni ainda mais convidativo. Não se trata mais de entender em qual projeto cada música deveria ser alocada com exatidão. Tem mais a ver com o prazer de apontar aproximações e ecos entre eles.

(Cherry em uma faixa: “Crimson”)

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ARTISTA: Daphni

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique