Resenhas

Four Tet – Three

Camadas de nostalgia dos anos 1990 e 2000 são a novidade em mais um trabalho muito bem acabado do produtor britânico

Loading

Ano: 2024
Selo: Text Records
# Faixas: 8
Estilos: IDM, Eletrônica, Ambient
Duração: 44''
Produção: Kieran Hebden

Three é o 12º álbum de estúdio de Four Tet. Em meio a uma infinidade de projetos paralelos, colaborações e remixes lançados pelo produtor inglês, essa dúzia de lançamentos funciona como uma espécie de manual para entender sua impressão digital pessoal e intransferível em qualquer projeto que ele se envolva –seja tocando um set de techno intenso em alguma festa obscura ou cumprindo a função de fechar o Coachella ao lado de seus amigos amigos Skrillex e Fred again.. e encaixando na apresentação um remix de Taylor Swift que produziu para agradar a filha. Apesar de manter o que um dia lhe rendeu a péssima classificação de “Folktronica” (a mistura de elementos considerados “orgânicos” e batidas eletrônicas), suas investigações agora parecem ter sido mais afetadas pelo presente imediato do que uma primeira audição consegue demonstrar.

Um fã de música que transita, em uma única semana, entre lançamentos de jazz, rap, country, techno, bossa nova e hardcore, pode descartar esse álbum como uma coletânea desarrumada e desinteressante. Three é mais onírico do que transcendental. Tem pouco da coerência temática de álbuns como os recentes Sixteen Oceans(2020) e New Energy(2017), que buscam conduzir o ouvinte por uma experiência espiritual com muitas referências à música clássica Hindustani (do norte da Índia), muitos traços de música pop, além da construção paciente da música ambiente e da explosão do eletrônico feito para as pistas. Neste novo trabalho, surge como elemento condutor a nostalgia pelos anos 1990 e 2000, que já representam o nosso presente tanto quanto o nosso passado. Nada disso é novidade em sua obra, mas aparece aqui com mais intenção, trazendo um corpo e uma elegância que soam frescos em sua discografia. São referências que não aparecem o tempo todo, mas, assim como em um sonho sem coesão, são o núcleo que, ao acordar, dará sentido a toda aquela mistura.

Encontro algo de Massive Attack na faixa de abertura “Loved”, encerro ouvindo algo de Moby em “So Blue” e em “Three Drums”. Camadas de DJ Shadow e J Dilla parecem estar por toda parte e até uma aura de shoegaze ou dream pop em vários momentos. Preciso confessar que, na primeira audição do disco, cheguei à metade e parei, surpreso, tentando lembrar o que me vinha à cabeça ao ouvir a introdução de uma das faixas. Concluí que era Charlie Brown Jr. e dei uma risada sincera descartando o absurdo. Qual não foi a minha surpresa ao checar e perceber que a faixa se chamava “Skater”. Mesmo assim, não há nada de derivativo nesses retalhos de memória bem simbolizados na capa do disco. Com a mistura dos instrumentos acústicos de sempre e sua sensibilidade pop, Kieran Hebden consegue trabalhar essas referências o suficiente para que elas acabem soando mais nostálgicas do que de fato parar para ouvir os próprios artistas da época.

Ainda sobrou espaço para as pistas e aqui se encontram duas das minhas faixas dançantes preferidas de toda a obra do produtor. “Daydream Repeat” e “31 Bloom” parecem funcionar quimicamente para ativar nossa vontade de se mexer em qualquer situação. Dentro do outro gênero com nome questionável em que Four Tet se encontra, a IDM, é muito frequente que se foque no “Intelligent” e se esqueça do “Dance Music”. A nerdice que acompanha a obsessão por esses artistas nos faz achar que eles existem apenas para serem dissecados em fóruns de internet. Mas Kieran sempre gosta de reforçar que seu lugar é nos clubes e nas pistas. Sua fama é de boa praça, mas ele enxerga a noite como uma brincadeira séria, um desafio sobre quem consegue manipular melhor as emoções mais autênticas do público – e essas duas faixas mantêm seu histórico impecável.

Tentar entender a importância de Three para a música de 2024 ou para onde ele leva a carreira de Four Tet e os subgêneros musicais que representa é partir da premissa errada. Dando dois passos para trás, no entanto, encontramos algumas das melhores e mais bem acabadas faixas de sua carreira. Em uma conversa com Brian Eno há alguns anos, Kieran explicava suas intenções musicais quando Eno — falando sobre inspiração em geral — acidentalmente conseguiu explicar o trabalho de Four Tet: “A inspiração pode ser encontrada em um sentimento de rendição ou de abandono”. E completou fazendo uma analogia sobre o surfe, esporte em que a entrega à imprevisibilidade do mar se faz presente. “É preciso uma enorme quantidade de controle e técnica para levar você a este lugar onde você pode apenas surfar uma onda”.

(Three em uma faixa: “Three Drums”)

Loading

ARTISTA: Four Tet

Autor:

Nerd de música e fundador do Monkeybuzz.