Resenhas

Janelle Monáe – The Age of Pleasure

Agregando influências de soul, reggae e afrobeat, quarto disco da artista americana apresenta seu lado mais íntimo

Loading

Ano: 2023
Selo: Wondaland/Bad Boy Records
# Faixas: 14
Estilos: Soul, Reggae, Afrobeat
Duração: 32'
Produção: Janelle Monáe, Nana Kwabena, Nate “Rocket” Wonder, Roman GianArthur e Sensei Bueno

 “I’m lookin’ at a thousand versions of myself / And we’re all fine as fuck”. The Age of Pleasure é um álbum que parece nos convidar a – assim como nos versos que abrem “Phenomenal” –observar e admirar a potência artística que é Janelle Monáe ao longo de suas diferentes fases na carreira. A partir do seu título, o tempo é fator chave para uma melhor compreensão da obra.

“No, I’m not the same”, ela canta e repete em “Float”, faixa que abre o disco e também seu primeiro single. Como ela faz a cada lançamento, toda a aura do álbum propõe um novo universo e, por consequência, encontramos outra persona para a artista. Se pensarmos na linha do tempo desde sua estreia, em The ArchAndroid, esta seria a quarta Janelle Monáe que conhecemos ao ouvir seus discos. Porém, para além disso, ela construiu nos últimos uma carreira sólida como atriz, o que já difere como a vemos em relação aos seus primeiros discos. E, nada menos importante, faz pouco mais de um ano que ela revelou-se pessoa não binária – e, ao ser perguntada os pronomes, ela respondeu: “free-ass motherfucker” e também “they/them, she/her”.

The Age of Pleasure, diferente de seus antecessores, parece não ter a intenção de construir uma nova personagem para Janelle, mas permitir que nossa leitura descubra lados mais pessoais, mais íntimos. E “intimidade” é também outro termo que nunca é ignorado na audição do disco, e fica a impressão de que a carga erótica presente em muitas das músicas (e no tão falado clipe de “Lipstick Lover”) serve como facilitador para acessarmos aquilo que lhe é mais humano. Anos após se vestir de robô, é sua nudez que nos relembra que estamos escutando expressões que vem de – quem diria? – uma pessoa de verdade.

Os arranjos das músicas acompanham esse mesmo movimento conceitual. A sonoridade do álbum como um todo carrega um aspecto caloroso de gravação feita ao vivo (ainda que não seja o caso), com cara de jam em alguns momentos e músicas que emendam naturalmente umas nas outras – a melodia de “Haute”, que parece invadir sua anterior, “Phenomenal”, causa um dos melhores sorrisos na audição. Instrumentos de sopro dão uma leveza muito bem equilibrada às batidas secas que dominam a obra, e faixas curtinhas, mas completas demais para serem chamadas de vinhetas, dão ainda mais fluidez à narrativa.

É muito curioso como Janelle Monáe, talvez por certos excessos que marcaram seus lançamentos anteriores (inclusive visualmente), é uma artista tão presente no imaginário da indústria fonográfica dos anos 2010, ainda que quase não tenha os tais hits que, na ideologia do mercado, definem para muita gente o que é sucesso. “Tightrope” fez certo barulho em 2010 e “Make Me Feel”, de Dirty Computer (2018), ganhou sobrevida própria dentro da cultura pop e redes sociais, mas talvez falte alguma música mais avassaladora em termos de plays. E parece que esse disco também não foi feito para isso.

Há, no entanto, uma sensação que fica ao escutarmos a obra, seja inserida na discografia da artista ou no contexto macro em que ela é lançada: a de que o som que Janelle faz hoje é mais palatável, mais próximo da produção popular, mainstream ou não, do que aquele que ela fez no passado. E isso não porque ela se ajustou a esse momento, mas porque aconteceu o oposto: talvez nós estejamos hoje mais abertos à música que ela sempre fez. Sim, o lado mais “humano” de Age of Pleasure deve atrair mais ouvintes ao álbum do que outros volumes de sua discografia, mas ele ainda é perfeitamente coeso quando ao lado de seus três predecessores. E o alinhamento com o afrobeat e a música caribenha que ela agrega às referências de soul, funk e mesmo rap nunca foi tão atual.

É tão cafona quanto desgastado em sentido dizer que uma artista esteve à frente do seu tempo, mas é também difícil não pensar que esse seja o caso de Janelle Monáe em seus primeiros trabalhos ao escutarmos este novo. Ela não é a mesma e todas as suas versões são “fine as fuck”, mas talvez esteja melhor ainda agora. Age of Pleasure é um trabalho honesto, ainda mais em sua intenção de empoderar seus públicos preto e queer, e parte integral de uma construção artística que se desenrola há mais de uma década. E essa linha do tempo entra agora em uma nova fase (ou era) – e o prazer também é todo nosso.

(Age of Pleasure em uma faixa: “Phenomenal”)

Loading

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.