Resenhas

Kim Gordon – The Collective

A lendária artista experimenta com texturas, investiga ruídos e desconstrói o cotidiano em direção a uma dimensão abstrata

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Ano: 2024
Selo: Matador Records
# Faixas: 11
Estilos: Noise, No Wave, Rap
Duração: 40'
Produção: Kim Gordon, Justin Raisen

“Os telefones são como mundos inteiros, mas também são vazios. Você tem que ter cuidado”, declarou recentemente Kim Gordon, artista ícone da cena alternativa desde os anos 1980. Sobre o protagonismo que celulares ganharam em nossas vidas, moldando a nossa percepção do mundo, ela disse: “O iPhone promete liberdade e controle sobre a comunicação, é uma válvula de escape para a autoexpressão e uma fuga e uma distração do panorama geral do que está acontecendo no mundo”.

Na metade do ano passado, a artista exibiu uma série de pinturas acrílicas em uma galeria de Nova Iorque. São telas com manchas de cor sinuosas, que parecem transmitir estados de espírito. No meio de cada uma, um buraco vazio, recortado, no formato de um iPhone, como se indicassem um vórtice onde perdemos nosso tempo, nosso ego, nossas prioridades. Entre todas as pinturas, a maior delas, de pouco mais de dois metros de largura, se chama “The Collective“.

The Collective é também o nome de seu novo álbum, que chega cinco anos depois de No Home Record. Aqui, Kim Gordon continua a sua investigação vitalícia sobre o ruído, que gradativamente se tornou o eixo estrutural de sua música. Novamente em parceria com o produtor Justin Raisen, ela explora linguagens novíssimas da música contemporânea. Cada vez mais distante de uma semântica de banda – guitarra, baixo e bateria – na qual estamos acostumados a vê-la, aqui ela experimenta com texturas e assume outras estratégias, mais contemporâneas, que têm a ver com o hip hop e com o noise. Se ouvimos uma guitarra aqui ou acolá, trata-se apenas de um timbre ruidoso e deslocado de seu contexto, e que poderia ter vindo de qualquer lugar, como uma máquina industrial por exemplo.

Vemos um celular na capa de The Collective, que rouba o lugar da paisagem atrás de si, deixando-a nebulosa. Tematicamente, o álbum traz um ensimesmamento, vozes interiores balbuciando pensamentos ansiosos, uma pessoa sozinha contra o mundo lá fora. Nas letras, Kim Gordon imprime sua personalidade maior, a de uma poeta, desconstruindo o cotidiano em direção a uma dimensão abstrata, procurando definir uma angústia que palavras não são capazes de alcançar.

Sua característica voz rouca, sussurrada, e até mesmo desafinada, declamaversos que circulam esse tema. “BYE BYE”, por exemplo, narra a rotina de fazer uma mala, mas fala, na verdade, do desejo – e da inutilidade – de fugir de seus problemas. Já em “I’m A Man”, ouvimos alguém chafurdando nos lugares comuns da masculinidade compenetrada em seus privilégios. Outro ponto alto é “Psychedelic Orgasm”, que fala do uso de drogas na cena artística de Los Angeles, em que ondas de ruído se transformam em neblina e em pura atmosfera, e lembram Evicshen, clipping., Yves Tumor ou outros artistas do noise.

Em The Collective, Kim Gordon afasta-se de vez do imaginário do rock, o que pode desagradar a alguns fãs mais conservadores. No entanto, só eleva a outra potência uma lógica que sempre foi a sua. Colocando a poesia diante do ruído, ela elabora, com uma música cheia de detritos, empilhando blocos de concreto sonoros uns por cima dos outros, uma expansão interdisciplinar de sua pesquisa como artista plástica.

(The Collective em uma faixa: “BYE BYE”)

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ARTISTA: Kim Gordon

Autor:

é músico e escreve sobre arte