Resenhas

Mahmundi – Amor Fati

No quarto álbum de estúdio da carreira, Marcela Vale abandona os medos para abraçar, com amor, seu destino

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Ano: 2023
Selo: Universal Music
# Faixas: 10
Estilos: R&B, Pop, MPB, Soul
Duração: 35’
Produção: Mahmundi e Pedro Tie

Muita gente canta sobre amor, mas poucos cantam como Mahmundi. Sim, ela já falou bastante sobre amor, mas está falando de um jeito diferente em Amor Fati, lançado no início de março. O título faz referência à expressão usada por Friedrich Nietzsche e significa “amor ao destino”, no sentido de uma aceitação integral da vida. Uma forma de seguir por uma via amorosa frente a tudo que a vida nos priva e nos oferece, nas boas e nas más. As canções apresentadas aqui por Mahmundi formam uma cartilha de ética de amor, pautada por fluidez, gozo, sinceridade, comunicação aberta, autorrespeito. Uma postura humilde e corajosa de quem sabe que medo e amor não combinam. Aos que estão com coração aberto, cuidado: Amor Fati é flechada na certa.

Os primeiros segundos de “Amanhã”, canção abre-alas do disco, anunciam um novo sol. O pop da carioca é marcado pela onipresença do astro rei, que rege inclusive o signo da artista: leão. Entretanto, diferente do sol litorâneo, tórrido e estourado que pulsa em trabalhos anteriores, como Mahmundi (2016) e Pra Dias Ruins (2018), este parece esgueirar-se pelas persianas de uma janela, rompendo a escuridão pouco a pouco, anunciando a manhã de levinho. Talvez, um eco da mudança da cantora, que se viu migrando para São Paulo mais uma vez.

A própria capa de Amor Fati, com fotografia de Demian Jacob, rompe com uma discografia estampada por capas coloridas. O preto & branco permeia todos os visuais do novo projeto, incluindo o lyric video de “Sem Necessidade” e o clipe de “Noites Tropicais”. Em entrevista concedida ao portal Papel Pop, Mahmundi explica a decisão: “acho que o preto e branco tem uma coisa do zero. É como [se eu estivesse] começando de novo”. Recomeços nem sempre soam como ruptura. No papo com a Carta Capital, Mahmundi define a nova fase mais como uma ‘remasterização’ de seu próprio trabalho.

Quando encarado como uma narrativa linear, as faixas nos conduzem pelo ciclo de um amor que vai do estalo da paixão, a partir de “Amanhã”, ao término em “Peraí”, e ainda chega à elaboração do fim em “Meu Amor Reprise”. Mas essa tese é pouco provável. Não é de hoje que Mahmundi conduz suas obras a partir da lógica do shuffle, fazendo com que cada faixa caminhe com as próprias pernas. No entanto, a coesão segue presente, e de forma ainda mais apurada em Amor Fati. Reunidas, as canções formam uma coletânea de experiências amorosas.

Em “Diamante”, composição em parceria com Pedro Tie e Leandro Donner, Mahmundi abraça a vulnerabilidade de ser fiel aos sentimentos: “Baby, a gente pode tentar/ Quero um pouco mais de você/ Só de pensar em te ter aqui”. Na envolvente “Sem Necessidade”, escrita por ela, Josefe, e Pedro Tie, preza pela honestidade: “Sem necessidade de fingir/ Que não tem o bastante pra ficar/ Sei que você gosta de aqui/ Mas não vou adivinhar”. Na já citada “Peraí”, aceita o fim “Eu te desejo tudo, tudo de bom/ Peraí, a gente não vai discutir/ Eu tenho tanta coisa pra fazer/ E a primeira é deixar você pensando”. Dichavando as relações e detalhando suas sutilezas, Mahmundi abastece o repositório nacional de músicas românticas, engrossa o time de artistas negras que pesquisam o tema do amor, a exemplo de Luedji Luna, e fortalece as narrativas de amor sáfico – afinal, pras mulheres que amam mulheres, é sempre uma delícia ouvir uma mulher cantando que “ela é mó gata”, “ela me amassa, ela me abraça”, como provoca na excitante “Brisa 22”.

A roupagem digital é a identidade musical da artista. Os arranjos e a produção musical de Amor Fati estabelecem conexões com a atmosfera de synths presentes desde seu registro de estreia. Mas os teclados soam menos marcados; as programações alcançam um balanço contemporâneo, e o Lo-Fi segue rugoso, mas limpo. O elo com o acústico e orgânico de Mundo Novo nasce a partir de “Meu Amor Reprise”, em que, acompanhada por uma banda, Mahmundi revisita “Meu Amor”, do primeiro álbum. Ela segue onipresente na obra, assinando a direção musical ao lado de Pedro Tie, a direção dos visuals com Guilherme Junqueira e de grande parte de produção, composição e arranjo. Além dos vocais, a multiartista passeia pela programação eletrônica, violão, bateria e guitarra.

As texturas sonoras seguem múltiplas, mas tramadas de forma sofisticada, confortável – e bem executadas tal qual um lençol tipo mil fios. Amor Fati é cama macia, esconderijo e lugar seguro para embarcar e se deixar levar, seja pela paixão, pela malícia, pelo outro, pela solitude. Até porque, isso é papo de destino, né? Aproveita que soltar o play só depende de você.

(Amor Fati em uma faixa: “Diamante”)

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ARTISTA: Mahmundi

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