Resenhas

ScHoolboy Q – BLUE LIPS

Em sexto disco de estúdio, o rapper mostra por que é uma voz singular e inescapável do hip hop atual

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Ano: 2024
Selo: TDE, Interscope
# Faixas: 18
Estilos: Rap
Duração: 56'
Produção: The Alchemist, Beat Butcha, Cardo, Childish Major, DJ Khalil, outros

Com grandes gravadoras, vêm grandes responsabilidades. Quando se é artista de uma Blue Note Records, Motown Records ou Death Row há uma simbiose inevitável entre artista e selo. Na década passada, a Top Dawg Entertainment fincou sua bandeira no rap americano com uma sequência de lançamentos – incluindo dois clássicos de Kendrick Lamar, seu principal expoente, e ainda revelou a estrela SZA. Apesar dos discos sólidos da cantora, a gravadora contratou alguns artistas genéricos e sofreu com o desligamento meio confuso do prodígio Kendrick, resultando em poucos momentos brilhantes nos últimos cinco anos. Até agora.

Amarrado por uma produção ousada e ambiciosa, BLUE LIPS  é um grande quebra-cabeça. ScHoolboy Q está no controle de cada mínima peça e monta com precisão uma cativante e divertida imagem (sonora e lírica) no final. Ora compungido, ora orgulhoso gangster, ora o Pai de Menina, Q tem tempo suficiente – às vezes até de sobra –, para mostrar suas melhores facetas e capacidades.

Nos seus discos anteriores, diversos tipos de máscaras ditavam a personalidade do protagonista da trama, revelando apenas frestas do que seria sua verdadeira identidade. Em BLUE LIPS, faixas como “Cooties” e “Lost Times” apagam qualquer resquício de introspecção misteriosa e Q se permite ser vulnerável, discutindo com honestidade temas como paternidade e superação de traumas. Ou brinda ao “tempo das antiga”, ainda que não deseje retornar a ele – o tipo de reflexão que só pessoas (não somente artistas) que se reinventam com esmero são capazes de ter.

“Like, literally, my daughters is chill/ Likе, I can’t believe my housе on the hill/ Like, I can’t believe that mountain is real/ Accountant is thrilled/ The scars on the back of me healed”. BLUE LIPS é repleto desses tipos de rima, que se desdobram com simplicidade tão pungente que parecem fáceis de serem elaboradas, mas são ricas em substância e técnica. É tocante. Mas o lado Pai de Menina em nenhum momento suprime o bandido latente que habita em Q ou o rapper faminto, como ele demonstra em “Pig Feet” e “THank God 4 Me”, respectivamente.

Em BLUE LIPS, melodias de soul cintilante se fundem a pianos e sopros de jazz elegantes logo antes de se transformarem em guitarras eletrizantes e frenéticas, como nas viciantes “Yeern 101” e “Pop” (com participação de Rico Nasty). Mais amplo do que o leque de flows do rapper é sua interpretação, que transiciona entre todos esses momentos com a mesma vitalidade, criando paisagens sonoras extremamente imersivas – destaque para “Blueslides”, espécie de tributo para o amigo Mac Miller.

Ainda que Groovy Q esteja no controle de cada peça, ele pode parecer muito extenso em alguns momentos. Não me entenda mal: é divertido, mas entre tantas canções excelentes, algumas poucas (não tão boas soam) longas demais – são os casos de “Love Birds”, com participação pouco proveitosa de Devin Malik, e do verso de Freddie Gibbs em “oHio”, uma música em três partes (e três batidas diferentes). Ou ainda “Back n Love”, faixa finalizada após o álbum e que nem sequer aparecia na tracklist original.

Com quase 40 anos de idade, Q coloca BLUE LIPS ao lado de contemporâneos como Mr. Morale & The Big Steppers (2022), de Kendrick Lamar, e Quaranta (2023) de Danny Brown, na prateleira dos pais de família curando com honestidade as dores de ser um negrão. Junte isso a um carisma distinto e a ousadia para produções excêntricas e temos uma voz singular e inescapável do rap atual.

(BLUE LIPES em uma faixa: “Blueslides”)

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ARTISTA: Schoolboy Q