Conhecer a história por trás de Heaven is a Junkyard guia toda a audição do disco. Trevor Powers tinha desistido de seu Youth Lagoon um ano após lançar seu melhor disco (Savage Hills Ballroom, de 2015), disse que se sentia sufocado pelo projeto e preferiu mudar de ares com dois discos lançados sob seu próprio nome. Em outubro de 2021, uma reação alérgica a um medicamento simples fez com que sua laringe e cordas vocais fossem prejudicadas pelos ácidos estomacais, a ponto de ele ficar um bom tempo sem conseguir falar (e, é claro, cantar).
“My voice is gone and it used to be so strong”, Trevor canta em “Trapeze Artist”, na segunda metade do álbum. Até então, já escutamos sobre sua dor em todas as faixas, mesmo na instrumental “Lux Radio Theatre”. E se ele hoje pode cantar e gravar um disco como esse, fica claro a cada audição que não se trata de uma obra sobre um “final feliz”, mas sobre a melancolia de vivermos com tanto a se perder a qualquer instante.
E é interessante como toda essa história começa com uma perda que ele escolheu ter: a do próprio Youth Lagoon. Retornar ao projeto não parece ser uma atitude de quem se arrependeu, mas um ato de quem precisa “voltar para casa”, para um “lugar seguro” onde se tenha o mínimo de controle das situações após tantos meses de tratamento sem saber se amanhã teria voz.
E ele canta baixinho, como quem não faz questão de esconder sua dor ao abrir uma coleção de histórias carregadas em sua memória, sobre “família, vizinhos e morte” (como Trevor disse, em tradução livre). “Idaho Alien”, por exemplo, narra a história de alguém que corta os pulsos na banheira e imagina quem encontrará seu corpo. Mesmo as músicas de cunho mais otimista, como “Prizefighter”, apresentam fragilidade, dúvida e algum medo.
Mesmo sem saber o contexto em que o disco chega, Heaven is a Junkyard já teria uma dor muito palpável e que, ouso dizer, combina muito bem com o timbre fraquejante de Trevor. Acompanhado do piano, em camadas sonoras na intersecção do que é suave e do que se mostra sombrio, o artista nos relembra aquilo que sempre nos encantou em seu Youth Lagoon e fica difícil não sorrir pela chegada de um novo álbum do projeto, mesmo que acompanhado de uma narrativa dessas.
(Heaven is a Junkyard em uma faixa: “Trapeze Artist”)