Resenhas

Emicida – Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa…

Rapper inicia nova fase da carreira em disco que revela suas origens a um grande público

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Ano: 2015
Selo: Laboratório Fantasma
# Faixas: 14
Estilos: Rap, Hip Hop, MPB
Duração: 52
Nota: 4.0

Leandro Roque de Oliveira encontra suas melhores qualidades quando, sob o nome Emicida, revela seus talentos como um grande poeta e um engajador coletivo (e qualquer um que já esteve em um de seus shows entende o carisma e a comunicabilidade do MC). Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa parece ser, na verdade, sobre as origens do rapper, em diferentes aspectos.

A escolha de iniciar o disco com a sensível Mãe é grande parte disso. Autobiográfica, a faixa serve como introdução com um relato sobre gratidão, admiração e identificação do “menino danado” com Dona Jacira, e encerra-se com ela própria contando sobre o nascimento do filho. Um dos versos do rapper dá a dica do tom da obra: “… vi Deus e ele era uma mulher preta”.

Uma viagem a Angola e Cabo Verde foi grande fonte de inspiração para a obra, que trata aqui todo o continente africano como a matriz do que vai muito além da cor da pele, mas de um olhar coletivista e de um espírito de luta, além da fé. Há uma grande reverência e quase uma idealização dessa ascendência, que inspira as letras e também a sonoridade do álbum – como Mufete e Casa revelam.

De volta a um aspecto mais pessoal, há espaço para reflexões mais sensíveis e íntimas, como em Baiana (com Caetano Veloso) ou Madagascar. É interessante como, dessa forma, Emicida coloca-se não apenas como a voz de um povo, grupo ou geração, mas como um indivíduo desses coletivos – ou seja, existe uma bem-vinda resistência a um aspecto sobre-humano na figura do artista. Além da humildade, isso faz com que ele seja um personagem mais interessante na saga épica que é seu trabalho de carregar essa mensagem.

Sobre Crianças… revela também a origem do rapper como um filho do seu tempo. Como é comum na cultura do Rap e Hip Hop, as letras são carregadas de amplas referências à cultura popular (ele menciona Jogos Vorazes em um verso para referenciar Tom Jobim no próximo), além de estar alinhado à missão de expôr os problemas contemporâneos – no caso de Emicida, o preconceito racial e a desigualdade social (os tais “pesadelos” do título).

E é quando ele une esse espírito crônico àquilo que é mais próprio dos nossos dias também na música que surgem os melhores momentos do álbum: Boa Esperança, “hit” já conhecido antes do disco, e Mandume, o ponto mais alto de toda obra, com uma agressividade emocional impressionante e um provável destaque na discografia de Emicida como um todo, com chances de ser mencionada no futuro sempre que seu nome for relembrado.

Por outro lado, a impressão é que existe uma grande intenção de “pegar mais leve” ao longo das faixas, o que se facilita a levar o trabalho do rapper a um público maior por um lado, por outro pode gerar um certo descontentamento de quem já acompanhava seu trabalho há um certo tempo (Passarinhos, com Vanessa da Mata, é provavelmente o maior divisor de opiniões do ano). O maior problema dessa escolha, porém, é que o maior potencial do artista como intérprete (o visceral) acaba sendo menos explorado.

O potencial de sua lírica e a nobreza de sua mensagem são praticamente incontestáveis, a ponto de falarem muito mais alto que a timidez de certos momentos do disco. Na desconfiança de que essas músicas ficarão ainda melhores ao vivo (ainda mais quando combinadas às anteriores do rapper), vemos mais saldo positivo na carreira de Emicida, que parece preparado agora para continuar a propagação de sua mensagem a um público maior e mais midiático – exatamente a oportunidade que essas causas pelas quais luta precisam. Pra isso, há de se apresentar aos novos ouvintes, e Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa cumpre bem seu papel.

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ARTISTA: Emicida
MARCADORES: Hip Hop, MPB, Rap

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.