A percepção de passagem do tempo é notada mais facilmente quando o ambiente ao seu redor parece te remeter a imagens passadas de forma natural. Nada assusta mais que os heróis do seu passado estão sendo recriados, e que enfim o tempo parece lhe dar um soco na cara e dizer “estou aqui”. A música tem esse poder, e se você ama esta forma de arte esteja preparado porque em algum momento algo de sua história musical será recriado com os simples dizeres de “inspirado em tal década”, e o que posso afirmar é que a bola da vez são os anos 1990.
Década carregada de distorções e embrionária daquilo que viríamos a chamar de Rock Alternativo, tal período era marcado por camisas de flanela, e o surgimento de vozes incompreendidas, até então, por aqueles que estavam ao seu redor. Kurt Cobain, um dos caras mais abusados durante o seu período no colégio, seria a voz de uma geração e com ele, outros nomes ganhariam força e daí então é história. Breeders, Pearl Jam, Modest Mouse são exemplos daqueles à margem da sociedade que se utilizaram da música como forma de expressão. Speedy Ortiz carrega todas estas constatações e as envolve em um som de difícil compreensão direta.
A voz feminina de Sadie Dupuis é frágil e curiosamente triste como a tradução de seu nome parece indicar. No meio de versos que abordam os tormentos em que vivia, as guitarrias distorcidas e ritmicas de seu grupo parecem causar confusão e insegurança aos seus ouvintes, como se o mal estar se transportasse através de cada riff melódico repetido. Não é fácil entrar nesta desilusão, e se a intenção é passar o desalento de uma década de transição, Pioneer Spine e Tiger Tank surgem como belos representantes.
Sadie é quem conduz a banda em meio a riffs quebrados como Hitch e Gary, como se toda a construção musical fosse de encontro a voz melancólica da vocalista. Este é o seu mérito mas também o calcanhar de Aquiles da banda em alguns momentos. Tanta intensidade e sincronismo, só perpetuam um estado incomodo que o ouvinte se encontra no meio desta angústia tão palpável e compreensível do grupo. Não é simples escutar Major Arcana, e tampouco a convivência será agradável ou o resultado final satisfatório para quem entra de cabeça no disco.
Como uma viagem sem volta e sem esperanças, somos jogados a um ambiente em que o esgotamento espiritual parece acompanhar cada faixa.Cash Cab é o grande exemplo de uma música em que o sofrimento parece transpor cada trecho enquanto a gigantesca e épica MKVI coloca-se como uma viagem barulhenta e fatigante. Os sopros de calmaria aparecem com Fun demonstrando que apesar do nervosismo, o grupo ainda consegue se divertir, e na grande balada e linda No Below. Esta última só tranquiliza em sua estrutura de balada, mas é provavelmente a faixa mais melódica e emocionante de todo álbum, e que faz com que tanto desespero e tristeza façam sentido. O triste se torna belo.
Não espere encontrar um ombro amigo com Speedy Ortiz. Assim como a década que eles tentam emanar fazia com que só os fortes e corajosos quisessem se envolver com a música, Major Arcana é uma batalha a ser vencida sem chance de se saber se valerá a pena ao não. É como o silêncio pós termino de relacionamento, incerto, doloroso e cheio de distorções mas que ao fim pode lhe fazer bem ou não, depende de como é interpretado e compreendido.