Resenhas

Allegra Krieger – I Keep My Feet on the Fragile Plane

Com harmonias impulsionando letras poderosas, quarto disco da cantora americana é calmo e transformador

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Ano: 2023
Selo: Double Double Whammy
# Faixas: 10
Estilos: Folk, Singer-Songwriter
Duração: 27'
Produção: Luke Temple and Allegra Krieger

A música de Allegra Krieger transmite uma sensação de calma dominical, soando como aqueles dias nos quais o ócio toma conta do cotidiano e nos colocamos a observar a vida. Parece que em I Keep My Feet on the Fragile Plane – o quarto álbum da artista e o primeiro pelo selo Double Double Whammy – nada demais acontece, mas curiosamente, e talvez justamente por isso, somos tomados por algum tipo de ebulição interior, crescente, uma angústia que se manifesta em forma de poesia.

Engraçado notar, por conta dessa sensação, que a artista diz buscar inspiração em Clarice Lispector (escritora, diga-se de passagem, que vem influenciando os artistas gringos há algum tempo). De acordo com ela, durante o período de composição do álbum, Clarice Lispector “se tornou uma pequena obsessão“. Assim como Clarice, Allegra é uma cronista da vida cotidiana, mas está também sintonizada com algo cósmico, maior.

Mas, sem parar para pensar muito no Rio de Janeiro de Clarice, vamos em direção a Nova Iorque de Allegra que é o cenário no qual suas canções e histórias se desenrolam. A partir de seu apartamento na cidade, a musicista oferece em suas composições uma visão aguda da vida. Às vezes, é uma observação tão pontual que parece ultrapassar o lado de lá da realidade. Como o título de seu álbum indica, o centro de gravidade de Allegra está em outro lugar: o que interessa não é o pragmatismo cotidiano, as coisas em si, mas, sim, o que se deduz a partir delas.

Não há dúvida de que as letras são as protagonistas nas canções de I Keep my Feet…. No entanto, as harmonias são as responsáveis por construir uma ambientação na qual elas possam brilhar. O álbum é composto de violões dedilhados e outros elementos que entram preenchendo espaços vazios, como adornos imprescindíveis. A produção acompanha os trejeitos e peculiaridades das letras, vez ou outra tropeçando em um acorde improvável: um sintetizador faz as vezes de baixo, violinos tremulam numa sensação de perigo iminente e um descarrilamento de guitarras distorcidas oferece um fechamento para uma reflexão amarga sobre a vida.

O timbre da voz de Allegra é muito característico, mas ao mesmo tempo familiar do universo folk. I Keep My Feet on the Fragile Plane exibe a super-lírica herdada de Joni Mitchell e Elliott Smith e, embora às vezes pareça próxima demais de suas referências, os versos evocativos da compositora nos transportam para seu universo de onde, depois de 27 minutos, saímos transformados.

(I Keep My Feet on the Fragile Plane em uma faixa: “Let It Go, Watch It Come Back”)

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Autor:

é músico e escreve sobre arte