Resenhas

Arctic Monkeys – Tranquility Base Hotel & Casino

Alex Turner nos apresenta exercício criativo no qual tenta criar seu próprio universo retrofuturista

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Ano: 2018
Selo: Domino
# Faixas: 11
Estilos: Indie Rock, Singer-Songwriter, Rock Alternativo
Duração: 40:00
Nota: 3.5
Produção: Alex Turner e James Ford

Alex Turner sempre foi autoconsciente sobre sua própria obra. Tal característica talvez tenha garantido uma sobrevida de Arctic Monkeys no topo por mais tempo do que outros contemporâneos debochados, mesmo em uma época em que o Rock ambicioso e cheio de si não parece fazer mais tanto sentido.

Tranquility Base Hotel & Casino, sucessor do trabalho de maior êxito comercial da banda, continua a trajetória dos britânicos de tentar não se pavimentar em nenhum conceito pré-definido, seja o de juventude salvadora do Rock, de românticos inconsoláveis ou de “banda de estádio”. Seus novos trabalhos parecem sempre tentativas de reforçar o único conceito que continua fixo na cabeça de Alex, “o que quer que digam que sou, é isto que não sou”.

A concepção parte do uso do piano como base e da vontade de compor um álbum que soasse como um lugar que pudesse ser visitado. Neste caso, um hotel e cassino batizados de “Tranquility Base”, nome dado ao local onde, em 1969, o homem pousou na lua. A partir daí, Alex, no melhor estilo crooner, canta sob a ótica de diferentes personagens, contando histórias que esbarram em ficção científica, cultura pop, política, overdose de informação e superficialidade do mundo moderno, entre outros temas.

No entanto, assim como um filme que apresenta um mistério cheio de camadas e, no fim, não entrega a profundidade que aparenta ter, vemos aqui nomes, referências e ideias citadas, mas sem grandes reflexões propostas. Science Fiction, por exemplo, segundo Alex, foi o ponto de partida conceitual para o disco, muito inspirada na minissérie alemã de Rainer Werner Fassbinder, World on a Wire, de 1973, referência estética para o disco, com seu universo retrofuturista, elegante e surrealista. Esta mesma canção traz o trecho “I want to make a simple point about peace and love / But in a sexy way where it’s not obvious”. A sensação que fica do álbum, é esta, a de um exercício criativo pontual de Alex, compondo uma espécie de trilha sonora para um spin-off moderno da série alemã, contando histórias de amor como de costume, mas incluindo referências políticas, filosóficas e literárias o suficiente para soar mais “sexy” sem ser óbvio.

“Everybody’s on a barge / Floating down the endless stream of great TV” (trecho de Star Treatment), fala sobre a overdose de séries para assistir; “Breaking news, they take the truth and make it fluid” (American Sports), fala sobre a pós-verdade; “Bendable figures with a fresh new pack of lies” (Golden Trunks), sobre personalidades – provavelmente políticas – mentirosas; e “Dance as if somebody’s watching, ‘cause they are” (She Looks Like Fun), sobre estarmos o tempo todo sendo vigiados. Exemplos de proposições superficiais que não parecem fazer o que a ficção científica sempre se propôs, explorar de maneira criativa e um pouco mais aprofundada o impacto da modernidade em nossa vida cotidiana, não apenas apontar problemas que todos já estão vendo.

Musicalmente é onde a proposta do álbum fica mais interessante. Apesar de tudo se amarrar muito bem dentro do conceito do hotel e cassino lunar, as faixas brilham bem individualmente. Escrever sozinho no piano e pela primeira vez na carreira, compor sem pensar em como tudo vai soar ao vivo, trouxeram objetivos mais claros para as melodias da banda, sem a obrigação de encaixar riffs de guitarra e baterias pesadas para preencher espaços.

Star Treatment é o ponto de partida musical do disco. Uma balada romântica mais longa, tímida, embalada por uma aura de comercial de produtos domésticos dos anos 70, com piano e vibrafone otimistas, preparando para alguns momentos de invasão da guitarra e uma entrega maior na segunda metade da faixa. O restante do disco segue no mesmo universo, mas com variações interessantes, seja na tensão incluída na boa Golden Trunks ou no lado mais tradicional da bela The Ultracheese.

Esteticamente, os filmes e séries de ficção científica que inspiraram Alex, eram ambientes clássicos e sofisticados, mas com pitadas de tecnologia. Musicalmente, os sintetizadores de James Ford – produtor de boa parte do trabalho da banda e membro do duo Simian Mobile Disco – servem ao mesmo propósito. Um dos momentos mais evidentes é quando entram durante a faixa título.

É nela também, que os vocais se mostram mais interessantes. Como de costume, Alex é um daqueles cantores que imprimem seu “jeitão” em qualquer coisa que cantam e, em Tranquility Base Hotel & Casino, ele parece sempre particularmente blasé. Mesmo nos momentos mais marcantes, como no trecho em que canta “Martini Police” no refrão da primeira faixa e na virada “and I never thought” em American Sports, sempre fica a impressão de que havia a possibilidade do vocal ter ido mais além. Talvez por muitos dos vocais usados terem sido das gravações caseiras de Alex, onde provavelmente ele cantava sem a pretensão de usar como versão final. Já na citada faixa título, a voz tem um propósito e soa bem diferente do que de costume.

Vale dar mais destaque inclusive para American Sports, melhor faixa do disco, por ser mais intensa com seu piano crescente, vocal obscuro e um piano mais dramático, soando um pouco como Nick Cave nos momentos em que a letra é mais falada do que cantada. A já celebrada Four out of Five, no entanto, parece interessar mais por ser um oásis de lembrança de outros períodos da banda, do que uma faixa incrível por si só, mas mesmo assim, tem um final épico empolgante.

Desde Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not, totalmente calcado na juventude irresponsável e atraente de seus integrantes, a banda parece não ter conseguido traduzir tão bem o esperado amadurecimento em suas canções, variando entre emulações deles mesmos ou de outros nomes consagrados, mas com resultados muitas vezes previsíveis e desinteressantes. Alex Turner parece estar sempre numa batalha interna entre se sentir jovem o suficiente para continuar fazendo música sobre romances passageiros e noitadas inesquecíveis, mas maduro o bastante para querer subir de degrau e tentar estar entre os grandes, algo evidente ao abusar de referências que vão de Leonard Cohen a David Bowie.

Tranquility Base Hotel & Casino talvez seja o primeiro passo na direção de uma maturidade para fazer um álbum mais conceitual e, neste ponto, consegue surpreender com princípios de ideias muito mais interessantes do que as de seus últimos trabalhos. O disco é um exercício criativo de um músico que chegou no topo e parece estar disposto a sair de sua zona de conforto de composição e de inspiração para começar a fazer trabalhos que futuramente possam colocá-lo no patamar que ele pretende estar na história do Rock deste século.

(Tranquility Base Hotel & Casino em uma faixa: Star Treatment)

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Autor:

Nerd de música e fundador do Monkeybuzz.