Resenhas

Charli xcx – BRAT

Sexto disco da artista britânica manuseia a euforia e a saturação do pop de forma extravagante, irônica – e, sobretudo, musicalmente contagiante

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Ano: 2024
Selo: Atlantic Recordings
# Faixas: 15
Estilos: Hyperpop, Club, PC Music
Duração: 41'
Produção: A. G. Cook, Cirkut, Finn Keane, George Daniel, Charli XCX, Gesaffelstein, Hudson Mohawke, El Guincho, Jon Shave, Linus Wiklund e Omer Fedi

Ainda que a palavra fenômeno seja usada como adjetivo para descrever algo “especial” ou “grandioso”, outras definições permitem entendimentos mais densos do que apenas aquilo que se destaca. Fenômeno também é algo que pode ser percebido por nossos sentidos ou consciência, e o fenomenal pode ser de ordem mundana e cotidiana – presenciado de maneira passageira e, ainda assim, marcante. Esses múltiplos significados ganham ainda mais força quando trazemos a palavra “pop” para a conversa. O chamado fenômeno pop é, evidentemente, coletivo, mas também individual. Impacta muitos, globalmente; mas também age por caminhos introspectivos, subjetivos e particulares. Charli xcx encarna a ideia de fenômeno pop (e dos fenômenos pop) de muitas formas – a partir dela própria e, especialmente, por conta de sua habilidade ao manusear, esticar, hiperbolizar, dobrar – e tantos outros verbos – paradigmas, cacoetes e, claro, fenômenos da música pop.

Ao longo de sua discografia, Charli demonstrou imensa expertise ao lidar com as dinâmicas do pop. Com origens no açucarado indie pop de seu primeiro disco, True Romance (2013), ela conduziu um verdadeiro estudo das possibilidades que o gênero e suas ramificações oferecem. Aos poucos, migrou para uma pesquisa de estética maximalista, incorporando referências do crescente Hyperpop/PC Music de A. G. Cook e SOPHIE. O EP Vroom Vroom (2016) e a mixtape Pop 2 (2017) solidificaram esta nova linguagem em suas canções – ao sacramentarem a abordagem de um pop que experimenta de maneira impactante e vai muito além da replicação do que já está saturado. Charli, na verdade, passou a usar a saturação como recurso – seja no exagero de sua era PC Music ou em Crash (2022), metáfora para o esgotamento mental fruto do contrato com sua antiga gravadora. O caminho de Charli até aqui, traçado por uma artista comprometida com seu tempo e as novas expressões, redunda em uma das obras mais impactantes de 2024. Não apenas por seu repertório, mas por todo aspecto de fenômeno que este lançamento incorporou.

BRAT traz muito mais do que apenas boas canções ou experimentação pop. Ele é uma experiência estética que começa desde a simplicidade de sua capa: um verde neon com o título em baixa resolução, contraste que, de certa forma, já anuncia o que Charli traz em seu sexto disco de estúdio. (Além de ter sido algo que foi amplamente veiculado e repercutido nos últimos meses, criando euforia, hype e memes aos montes – BRAT, antes de seu lançamento, já brincava com estereótipos do pop).

Em 15 faixas, Charli coordena diferentes experimentos, mas segue, a todo momento, comprometida com a entrega de uma experiência pop por excelência – da apreciação mais “caricata” (como nos clips) a um envolvimento sentimental por meio das letras. Ao mesmo tempo em que Charli apresenta faixas-chiclete e que grudam facilmente na cabeça dos ouvintes, ela entoa versos francos sobre a vivência de uma artista pop – entre o excesso e a vulnerabilidade. O mesmo pop que entusiasma também fragiliza, seja por exigências da indústria ou pela curta vida útil de alguns discos em tempos atuais. Pouco tempo depois do lançamento oficial, foi divulgada uma versão estendida de BRAT cujo título – Brat and it’s the same but there’s three more songs so it’s not – faz menção a esse aspecto maçante da era do streaming.

Musicalmente, o trabalho remete a diferentes momentos de Charli xcx – os elevando a outro nível. “360” abre o disco trazendo os timbres digitais e estereotipados de seu single “1999”, com participação de Troye Sivan; e “Club Classics” incorpora a cultura clubber com força por meio de diálogos fortes com jersey e vogue. O tom confessional de “I might say something stupid”, junto de um teclado digital, dá um tom irônico perfeito para sustentar o interesse, resultando em uma balada eletrônica e sentimental. O primeiro single do disco, “Von dutch”, se incorpora com facilidade ao restante do tracklist, trazendo de volta um pouco do electropop do começo dos 2010. “Girl, so confusing” bebe diretamente da virada do milênio, com o sentimento de confusão adolescente, mas repensado para uma linguagem eletrônica. “B2b” é uma das faixas mais dadas à estrutura magnética-melódica do pop: um refrão pegajoso aliado a uma estrutura rítmica repleta de balanço e groove. Por fim, “365” completa a narrativa da primeira canção, em um boost de club music e techno mais agressivo.

Para todos os efeitos, BRAT é um fenômeno pop. As canções não apenas sustentam, mas vão além do hype ao redor de seu lançamento. É irônico, é extravagante e é, sobretudo, musicalmente contagiante. É um disco que sabe usar as linguagens excessivas, repetitivas e saturadas do próprio pop para se bancar e que, além disso, consegue expressar a fragilidade de quem vive a experiência mordaz do mercado pop. Força arrebatadora dentro dos novos movimentos da música pop, Charli xcx, com BRAT, se consolida como um fenômeno impossível de se ignorar.

(BRAT em uma faixa: “B2b”)

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ARTISTA: Charli XCX

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique