Resenhas

Floating Points – Crush

Disco ensaia o que possivelmente no futuro chamaremos de música clássica

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Ano: 2019
Selo: Pluto
# Faixas: 12
Estilos: Eletrônico
Duração: 44'
Produção: Sam Shepherd

Crush é o novo álbum do produtor inglês Sam Shepherd, que atende pela alcunha de Floating Points. Logo de cara, na faixa “Falaise”, o trabalho constrói uma atmosfera solene com um arranjo de cordas. No entanto, não demora até que as coisas se auto-destruam em ritmos sincopados e dissonâncias na harmonia. Assim, fraturado em pequenos cacos de vidro sonoros, Floating Points brinca na contemporaneidade com os restos fragmentários da música que um dia entendemos como clássica. 

A capa, de tons azulados, parece aludir a algo sereno, mas revela o reflexo furta-cor de uma mancha de óleo sobre a água. Para entender Crush, que desvenda o seu significado discretamente sob as frestas de algo corrompido, vale a pena citar o escritor David Wallace Wells, que o produtor leu enquanto trabalhava. No livro The Uninhabitable Earth (2019), ele discorre sobre as consequências do aquecimento global: “É pior, muito pior do que você pode imaginar. É punitivo e implacável – muito alarmante”.

A sonoridade de Crush faz lembrar Vangelis na trilha sonora de Blade Runner – filme que, aliás, se passa num distópico novembro de 2019. Faixas como “LesAplx”, bastante texturizada, assemelha-se a Four Tet. Timbres metálicos e pontiagudos, por outro lado, remetem a Oneohtrix Point Never. Floating Points, igual aos nomes que evoca, imagina um mundo em fragmentos, atravessando um colapso ambiental e político. Shepherd compartilha o mesmo vocabulário de seus pares e vê o mundo a partir das mesmas referências. Nesse sentido, Crush emula um estado de espírito ansioso, enquanto arranjos etéreos de orquestra dão a entender algo grandioso e apocalíptico.

Diferentemente de Elaenia (2015), que demorou cinco anos para ser feito, Crush foi criado em apenas cinco semanas. Nascido após uma tour de Floating Points com The xx, o disco sabe manter sua vibe “ao vivo”, no sentido que em que é bastante dinâmico e direcionado à pista de dança. O álbum soa como um jorro de criatividade, embora seja um exercício focado, e parece responder a uma espécie de urgência. De acordo com Shepherd, sua intenção era produzir algo bastante melódico, mas acabou por se deparar com “uma das músicas mais obtusas e agressivas que eu já fiz”. O resultado, de acordo com Shepherd, “foi libertador”.

Treinado em música erudita, com doutorado em neurociência, faz sentido pensar na música de Shepherd como algo que busca novas sinapses harmônicas, elaborando conexões não lineares. O projeto faz jus ao seu nome: aqui, tudo flutua, mas a percussão pontuada mapeia nosso cérebro numa espécie de eletroencefalograma sonoro. Por responder tão bem às crises de nosso tempo, Floating Points nos faz pensar se é esse tipo de música, a Eletrônica Experimental, a linguagem que consideraremos como clássica em um futuro distante.

(Crush em uma música: “Environments”)

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MARCADORES: Eletrônico

Autor:

é músico e escreve sobre arte