Resenhas

Glue Trip – Nada Tropical

Referenciando grooves essenciais da música brasileira, banda paraibana manipula lisergias sonoras com apuro e precisão

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Ano: 2022
Selo: Independente
# Faixas: 9
Estilos: Rock Psicodélico, Música Brasileira
Duração: 38'
Produção: Zé Nigro

Durante especialmente a primeira metade da última década, a psicodelia apareceu reluzente como norte de bandas independentes. Esse novo boom lisérgico pode ser em parte explicado pela ascensão daquela psicodelia australiana, capitaneada por Tame Impala, Gun, Pond, entre outros, mas também pela forma como o modus operandi do Indie DIY colava muito bem com a experimentação sonora que estas bandas propunham. O Brasil também veio na onda e bandas como Boogarins, Bike e Supercordas manejaram acordes brasileiros a serviço da psicodelia. Já com uma “cara”, a cena brasileira criou autenticidade e, ao mesmo tempo, quase que de forma inevitável, certos vícios – seja pela quantidade de bandas ou pela insistência em timbres, atmosferas e levadas. Entretanto, há sempre grupos que são capazes de mergulhar nessa psicodelia e ativar possibilidades opostas, de naturezas distintas, em um contexto amarrado e surpreendente. Uma dessas bandas é a Glue Trip.

Vinda de João Pessoa, a banda se consolidou como um dos nomes mais interessantes da nova psicodelia (à) brasileira. O primeiro EP de 2013, Just Trippin’ (que inclusive saiu na nossa saudosa coluna “Ouça”), é ótimo para compreender o espírito aventureiro que sempre impediu o grupo de repetir ciclos criativos. Os discos seguintes mostraram isso de maneira muito clara, principalmente em Sea at Night (2018), soturno e nostálgico, bem diferente de outros trabalhos. Essa aura imprevisível é uma das características mais cativantes da banda. Agora, quatro anos após desvendar os mistérios do mar noturno, a banda paraibana lança seu olhar criativo para a própria música brasileira, trazendo um disco que celebra o organismo vivo da MPB e manipula lisergias sonoras com apuro e precisão.

Ambíguo e múltiplo já no título, Nada Tropical faz referências aos grooves de Marcos Valle, João Donato e Arthur Verocai e brinca por uma área cinzenta e solar – o não-lugar, mas tropical VS. e o que não tem absolutamente relação alguma com os trópicos. O disco ganha uma camada mais Hi-fi e, sob produção caprichada de Zé Nigro, temos a sensação de que a Glue Trip parece mais sutil na forma como propõe seus experimentos psicodélicos. Sem tanta intensidade e malabarismos, é possível alcançar níveis altíssimos de psicodelia, e a viagem é impulsionada por minúcias que arrebatam.

Algumas referências do disco já ficam claras no título, como a suave conversa suingada de “Marcos Valle”, ou “Bessa Beat”, parceria com Otto, em uma bossa nova remodelada a moldes (ainda mais) suaves. “Lazy Days” traz o próprio maestro e mestre Arthur Verocai para compor um arranjo de cordas delicado e marcante. “Levinha” chega lenta e imersiva, até nos deixar à deriva. “Gergelim” alterna a mansidão de acordes de piano elétrico e o jogo de ecos que se desenrola ao longo da composição. E a faixa-título amarra o repertório com energia e, simultaneamente, precisão – aliança que é o grande trunfo do grupo

Nada Tropical é um disco repleto de suavidades que, quando colocadas em uma sequência narrativa, ganham intensidade muito maior. E é nesse conjunto que está o encanto da Glue Trip – sem excessos, com sutilezas, em um passeio cuidadoso por cada referência e possibilidade. Seja no funk dos anos 1970, nos sintetizadores dos 1980 ou por cada caminho da psicodelia.

(Nada Tropical em uma faixa: “Nada Tropical”)

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ARTISTA: Glue Trip

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique