Resenhas

Rodrigo Amarante – Drama

Oito anos depois, músico carioca retorna com disco de inéditas mais leve, no qual, em seu “habitat natural”, mantém eu-lírico observador e familiar

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Ano: 2021
Selo: Polyvinyl
# Faixas: 11
Estilos: Indie, MPB
Duração: 41'
Produção: Rodrigo Amarante

Com o ambíguo título Drama, o disco começa com uma colagem que inclui risos de plateia e a água que cai de um chuveiro. Não se engane pelos pequenos estranhamentos, entretanto, porque o que vem pela frente é uma coleção de músicas que dialogam com a doçura melancólica que já conhecemos em Rodrigo Amarante, em uma obra que, se nem sempre ensolarada, contém luz de sobra para a penumbra destes dias.

Diferente de Cavalo (2013), no qual o peso da audição seja talvez sua principal âncora na memória, este segundo álbum solo do músico carioca tem um quê de pureza reconquistada – é o olhar a fotografia da infância e pensar não no que se foi, mas no que dali conseguiu sobreviver, ou ressuscitar. É o pós-catarse, alguns passos dados depois da sublimação, ou um olhar mais realista para um par de anos após o “felizes para sempre”, quando a felicidade não é estável, nem imaculada, mas persistente.

Rodrigo narra aqui e ali alguma paixão madura o bastante para saber ser juvenil, seja na estética (como em “Tango”) ou na sensação de completude encontrada no romance (“Eu com Você”). O que mais abastece o disco, contudo, é o prolongamento de um eu-lírico observador, introspectivo e bastante expressivo, que vê no mundo ao seu redor, tanto na natureza quanto no cotidiano, reflexos de suas indagações, ideias e inquietações. Um personagem presente em Cavalo e até mesmo em Los Hermanos, como em “Os Pássaros”, “Sétimo Andar” ou “O Vento”.

Ele canta de sonhos e do destino (na eufórica “Maré”, mas não só nela), fala de céu, sol e lua como figuras familiares que demarcam cenários e horas (em “The End”, principalmente) e encontra até espaço para um comentário sócio-político sobre a desigualdade (“Um Milhão”). São pedaços de um Amarante que testemunhamos se desenvolver artisticamente há mais de 20 anos. Em Drama, essas inspirações são reunidas em um terreno que já lhe é habitual: Aquele que estrangeiros reconhecerão facilmente como Indie e, por aqui, chamarão de MPB – ambos tão aceitáveis quanto imprecisos.

Mais do que as escolhas de ritmos e timbres, seu estilo é percebido principalmente na lírica. É incerto afirmar se ele constrói os significados de seus versos ou se os descobre à medida em que organiza os sons das palavras, em aliterações e rimas, e suas métricas. Na voz de Rodrigo, esse seu método confere enorme personalidade às músicas e gera momentos extraordinários, como “no arco do olho / entre os cílios do sol / pavão / na curva do rio / que é turva de um céu / pagão /na linha dos ombros /nas sombras das dobras da mão / nos vãos / se foi tudo amor / é amor o nome então” (em “Tao”).

A esse ponto, chega a ser redundante afirmar que Drama não traz um “novo” Rodrigo Amarante – em estéticas, experimentações ou propostas. O momento é inédito por consequência da vida, mas da aura hipster aos pequenos maneirismos, é o músico em seu habitat natural (não por acaso, o disco foi gravado majoritariamente em casa). Quem o acompanha há alguns anos encontra grande familiaridade desde as escolhas de timbres até as de palavras –“Deletério”, por exemplo, se não rara, é incomum o suficiente para chamar nossa atenção em “Tara”, fazendo lembrar dos “doces deletérios” que ele um dia cantou em “Condicional”.

Difere, entretanto, de Cavalo nessa leveza que sustenta a obra, mesmo em seus momentos de maior tensão, e tem seu lançamento e nossa apreciação validados pelo que mais importa – isso é, a qualidade das músicas. Se por um lado tem cara de um trabalho feito em um território seguro, por outro se arrisca a sorrir e a compartilhar sorrisos dentro da complexidade que é a insistência da vida, e na ousadia que é querer estar bem. Se “Tardei” encerrava a obra anterior na passividade fatídica do passar do tempo, Drama adianta seu clímax para a primeira canção e celebra: “Sorte é não querer mais que viver”.

(Drama em uma faixa: “Tao”)

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.